Esta semana, o "New York Times" voltou a falar de Portugal com um título que nos devia fazer pensar: "Um clube de futebol como um Estado soberano".
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No artigo, aquele que é, provavelmente, o mais prestigiado jornal do Mundo, detalhava um conjunto de práticas e factos que, no seu entender, manifestam uma confusão (se não ocupação do) entre Estado e futebol. O foco era o Benfica, mas o jornal referia que o problema é mais amplo. E questionava, especialmente, a nomeação de dois juízes para casos envolvendo o Benfica, devido à sua proximidade com o clube. É sobre isto que quero escrever.
A paixão pelos nossos clubes condiciona a nossa objetividade. Sendo do Sporting, o meu olhar sobre as ações do Benfica será sempre diferente do de um adepto do Benfica (a vantagem do NYT é aliás, estando certo ou errado, ter a objetividade decorrente do seu distanciamento). E cada um de nós vê com suspeita a interpretação do outro. Será que isso se transpõe para a atuação dos juízes? Será que a paixão por um clube afeta a sua independência? Não necessariamente. A independência não deve ser confundida com objetividade. Todos os juízes têm preferências e mundivisões pessoais que afetam a sua objetividade. É a independência que lhes é, simultaneamente, oferecida e imposta que garante que a subjetividade do seu juízo não se transforma em parcialidade. Idealmente, os juízes seriam totalmente objetivos, mas isso não seria humano. O que é possível no Direito é garantir independência e imparcialidade e são estas que limitam a possibilidade da subjetividade se transformar em arbitrariedade ou captura. Por outro lado, a independência e a imparcialidade não resultam do mero estatuto de juiz. Dependem de como a função judicial é exercida e protegida de forma a conferir essa autoridade dos tribunais. A perceção conta para garantir esta autoridade. É por isso que juízes, ainda mais que os políticos, têm de estar sujeitos a regras e impedimentos que transmitam ao público essa perceção de independência e imparcialidade. Que previnam conflitos de interesses ou pré-juízos, por exemplo. E aqui chegamos ao caso dos dois juízes em causa. Serem adeptos do Benfica não pode ser suficiente para questionar a sua independência (até porque podem ser substituídos por adeptos de outros clubes cuja independência também seria, então, questionável). Mas questão bem diferente é um juiz antecipar previamente um juízo sobre o caso que lhe é atribuído (como o juiz que apelidou Rui Pinto de "pirata" e agora o teria de julgar sobre isso...) ou ser acionista da Benfica SAD (parece-me óbvio que um juiz não pode decidir sobre uma indemnização que pode favorecer uma empresa de que tem ações...). Mais do que os juízes (que pediram escusa) está em causa a força e autoridade das nossas instituições. É disso que, infelizmente, duvida o NYT...
*Professor universitário