O processo de "desertificação" do interior do país (de que nos ocupámos na crónica precedente) e que também poderíamos designar como processo de "desurbanização", tem como consequência mais directa e evidente a "concentração" de pessoas e de actividades na orla costeira, gerando, por sua vez, o fenómeno da "sobreurbanização".
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Contudo, se a estas questões de índole demográfico-geográfico-territorial, acrescentarmos as enormes transformações de todo o tipo que o Mundo sofreu nos últimos anos, verificaremos que o conceito de "aldeia global" que apareceu para significar o drástico encurtamento de todas as distâncias (e não apenas físicas ou materiais), está ainda muito longe de representar, sequer, um salto significativo na qualidade de vida dos povos em geral.
Claro que nenhum destes fenómenos é tipicamente português! Situações idênticas verificam-se nos quatro cantos do Mundo, ainda que com intensidades diferentes. Em qualquer caso, a constante é o sistemático e generalizado crescimento ininterrupto das cidades e, portanto, a "urbanização intensiva" do território, iniciada com a Revolução Industrial há mais de dois séculos e que acabou por alterar profundamente o modo como, até então, o homem ocupava e explorava o espaço de que dispunha. E os números são, hoje, bem elucidativos. Com efeito, 75% da população mundial vive em cidades e também é nessas cidades que é produzida cerca de 75% da riqueza global. Por outro lado, é um facto que, tal como acontece entre nós, também cerca de 75% das cidades localizam-se na orla marítima dos diversos continentes, nas margens dos grandes rios ou lagos e, portanto, em "frentes de água" extensas e contínuas. Significa isto que, mesmo nos dias de hoje, a presença e a disponibilidade de água continua a ser um critério fundamental para o desenvolvimento dos mais diversos assentamentos humanos, assim como o é, naturalmente, a disponibilidade de solo. Um e outro - água e solo - são, no entanto, recursos que estão muito longe de serem inesgotáveis e não tardará muito que comecem a ser verdadeiros dramas já que, ambos, têm sido consumidos sem regra nem ordem e isso, como tudo o que é mal gasto ou desbaratado, paga-se. E, em alguns casos, já não faltará muito para que o solo vá mesmo por água abaixo!
O problema é que nenhum destes modos de ocupação territorial - a "desurbanização" e a "sobreurbanização" - foram minimamente controlados, apesar de claramente pressentidos e consequentemente contrariados como deviam ter sido. Pelo contrário! Em muitos casos foram claramente consentidos e, por vezes, até, vergonhosamente incentivados! Portugal não tem - ainda - um verdadeiro "plano" (ou um "sistema de planos" ou de "modelos de referência", para quem abomine o chavão) que preveja e, portanto, "desenhe" o presente e prefigure o futuro. Mas, parece que também não tem uma "ideia" muito clara do que quer ser. Contudo, um "conceito" minimamente estruturado do que, em conjunto, pretendemos ser, ou seja, sem uma "identidade" definida e assumida, não é possível construir qualquer "projecto" e, sobretudo, levar à prática qualquer "obra"! A verdade é que sem isto - sem um ideia - é muito difícil chegar a qualquer lado. Por isso, tudo o que seja desviar a atenção deste desiderato - como neste momento está a acontecer - é adiar por longos anos ou comprometer por gerações a hipótese de felicidade que procuramos. Por isso, dá que pensar o modo como estamos a gastar os nossos recursos!