<p>À hora a que o JN chegar às mãos do leitor, certamente já o PSD terminou a feitura das listas de deputados, cuja aprovação se previa que corresse pela noite dentro. Em todos os partidos são tarefas complicadas: as concelhias fazem pressão sobre as distritais, estas já se vêem gregas para contentar todos e a si próprias também e, depois, ainda a liderança tem de fazer a ordenação final, em que se torna impossível agradar a todos. Queixa-se fulano que vai em décimo e há quatro anos era sexto; Beltrano clama que o querem arredar de um lugar cimeiro por causa de um independente que ainda por cima nem do distrito é. A quota da liderança arruma mais umas quantas esperanças locais que estavam convencidas que desta vez é que era. E, para agravar tudo, este ano há a quota feminina obrigatória, o que num país machista, com partidos obviamente machistas, vem agravar as escolhas. O problema não é do PSD. É geral. Há normalmente choros, corte de relações, militâncias de anos mandadas às malvas. A escolha dos deputados para as listas é um dos momentos mais sensíveis das lideranças partidárias. A maior parte das vezes, a lógica é uma batata e pode acontecer que um lisboeta se candidate pelo Porto e um portuense pela capital sem que se perceba porquê.</p>
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Este ano, ainda por cima, a escolha das listas coincidiu com discussões generalizadas sobre transparência política e dignificação da profissão de político. Como é bom de ver, entre a doutrina que se proclama e a prática vai grande distância. Muitos políticos que ascendem à liderança de partidos só nestes momentos se apercebem da força das máquinas partidárias que era suposto comandarem. Uns resistem. Outros cedem, com a naturalidade com que outros antes deles já cederam. Afinal de contas, chegar a deputado é cada vez mais importante: dá estatuto, é um emprego mais ou menos estável, é um bom trampolim e também um bom final de carreira e dá acesso a muitas benesses e até a reformas em idade jovem. Para se ser deputado, o grande esforço é agora, na formação das listas. É difícil lá chegar, e chegar em lugar elegível é quase tão difícil como um camelo passar pelo buraco de uma agulha. É por tudo isto que, a quem assiste de fora, a formação das listas de deputados parece um puzzle impossível, danças de nomes em que a estratégia e as questões conjunturais valem mais do que o mérito.
P. S. - Uma decisão da ERC proíbe que os candidatos às eleições legislativas e autárquicas possam manter as suas colunas de opinião nos jornais ou os seus programas nas rádios ou nas televisões. Tudo em nome da igualdade. É assim que Marcelo pode continuar com o seu programa semanal, Vitorino, por sinal coordenador do programa do PS, também, enquanto os leitores do Expresso não lerão Manuela Ferreira Leite, os do JN ficarão privados de Elisa Ferreira e Honório Novo. E por aí fora. Pouco importa à ERC que algum não candidato clame diariamente num jornal ou na televisão que se deve votar em fulano ou em Beltrano. Candidatos a emitir opinião é que não. Pouco importa à ERC que um candidato se recuse - e está no seu direito - a entrar num debate eleitoral. Que outro escreva num jornal é que está mal. Já convivemos com coisas piores, como a contagem de linhas para que todos os candidatos tivessem o mesmo espaço. Tudo em nome da neutralidade, da igualdade de oportunidades. Conviveremos com isto também. Mas afirmando que nem a neutralidade nem a igualdade advêm destes princípios. E afirmando, sobretudo, que nada faz tão mal à democracia do que o rigor asséptico que nos querem impor.