Dar voz ao invisível: um apelo à saúde mental
Vivemos entre vozes que se impõem e silêncios que ninguém escuta, imersos num tempo de pressa e produtividade, de agendas cheias e dias medidos ao segundo. Aplaude-se quem resiste, quem não cede, quem mantém o sorriso mesmo quando o corpo fraqueja e a mente pede pausa.
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Habitamos uma era que enaltece o desempenho, mas esquece o repouso; que valoriza a aparência e ignora a essência. Cuidamos das rugas da pele, enquanto deixamos aprofundar as fissuras da alma.
A saúde mental continua a ser um dos grandes tabus do nosso tempo: por trás de cada rosto apressado esconde-se, tantas vezes, um grito silencioso. Uma tristeza incompreendida, um medo que paralisa, um vazio que consome por dentro, uma exaustão mascarada de normalidade. A dor vive calada - tímida, reprimida, empurrada para os recantos do silêncio. Habita entre portas fechadas, num território de vergonha, preconceito e estigma - afastada das conversas, ausente das decisões, invisível nas prioridades.
Quem sofre esconde; quem pede ajuda arrisca o rótulo. Por isso, muitos continuam a evitar dizer "não estou bem". Temem o olhar do outro, o julgamento, o afastamento, o silêncio da incompreensão. No entanto, todos, em algum momento, podemos cair - e cair não é fraqueza, é apenas humano.
Todos temos direito ao cuidado - sem culpa, sem embaraço, sem constrangimento. Porque cuidar da mente não é um privilégio, e pedir ajuda não é sinal de desistência - é o que nos mantém inteiros quando tudo o resto se desfaz.
Num país onde a ansiedade e a depressão afetam centenas de milhares de pessoas, onde os pedidos de ajuda crescem exponencialmente entre os jovens e onde os profissionais de saúde são escassos e sobrecarregados, torna-se imperativo pensar políticas públicas consistentes, acessíveis e integradas.
Entre os mais jovens, os números são alarmantes: ansiedade, depressão, automutilação, perturbações alimentares, dificuldade em gerir emoções e relações. Sintomas de um mundo acelerado, exigente, pouco tolerante ao erro e sem espaço para a vulnerabilidade.
As escolas não podem ser apenas lugares de aprendizagem curricular. Devem ser, acima de tudo, espaços de acolhimento, de promoção do bem-estar e de reconhecimento das emoções. Os professores não têm de ser psicólogos, mas podem ser olhos atentos. O pessoal não docente pode ser ponte. E os serviços de psicologia escolar devem ser reforçados, valorizados e integrados no quotidiano da comunidade educativa.
Também as entidades públicas e privadas têm um papel essencial nesta transformação. Não basta exigir produtividade: é preciso criar condições para que o trabalho não adoeça quem o realiza. É urgente construir espaços mais humanos - lugares onde seja possível abrandar, respirar e cuidar do bem-estar emocional; onde cada pessoa possa ser inteira, com as suas pausas, fragilidades e recomeços. Sessões de meditação, relaxamento, yoga ou consultas de psicologia nas estruturas profissionais podem ser um bom começo. É fundamental promover atividades que ajudem a gerir o stress, a cuidar das emoções e a fortalecer a capacidade de enfrentar desafios.
Mas cuidar da saúde mental vai muito além do físico: requer políticas que previnam o burnout, promovam horários flexíveis, valorizem o empenho e incentivem uma cultura de escuta e empatia. Só assim as instituições se tornam lugares onde cada pessoa se sente acolhida, valorizada e capaz de prosperar - como profissional e, sobretudo, como ser humano.
Investir nestas iniciativas não é um custo, é um ato de consciência. É reconhecer que não há progresso sem equilíbrio, nem eficiência sem cuidado e empatia. O verdadeiro sucesso de uma instituição mede-se também pela serenidade de quem nela trabalha.
O Dia Mundial da Saúde Mental não é apenas uma data. É um chamado que nos convida a olhar para dentro - da sociedade, das instituições e de nós próprios. Um convite que se transforma em dever coletivo: reconhecer que a saúde mental é um direito humano essencial.
Pedir ajuda não é vergonha, é sim um ato de coragem.
Parar não é falhar, é sim um gesto de lucidez e sinal de inteligência.
E cuidar da mente, o primeiro passo para construirmos uma sociedade mais consciente, solidária e plenamente humana.