<p>O problema da falta de qualidade das normas jurídicas é melindroso. Não é novo, não é nacional, não é desconhecido. Ficou famoso o remoque do compositor Frank Zappa, sobre os EUA: "Somos uma nação de leis. Leis mal escritas e aplicadas ao acaso". E sabe-se como o PGR português foi recentemente ao Parlamento, sugerir, de graça, o melhoramento de uma disposição, de forma a dar-lhe melhor português, e mais escorreita lógica integrativa.</p>
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Dir-se-á que a deficiência normativa é corrigível: nas faculdades de Direito, nas escolas de Magistratura, antes ainda com uma correcta formação pré-escolar, escolar e liceal. E que pode haver controlos de qualidade, com a aquisição, pelos órgãos legiferantes (parlamentos e câmaras técnicas), de consultores especializados, ou pela distribuição das funções de criação legal a juristas, e não a meros "generalistas".
Não basta, nos casos anteriores, contentarmo-nos com a existência putativa de um sistema de verificação correctivo. É preciso prová-lo na prática, e perguntar se o abaixamento geral da exigência pública não produz vítimas entre as normas.
E há a possibilidade de outro tipo de distorção, que não resulta da menor valia técnica, e antes da intenção determinada de tornar a lei ambígua, elástica, equívoca, no sentido de a adaptar a tudo, e ao seu contrário.
Pensar que, em momentos históricos dados, não houve planos para propositadamente introduzir "más leis" em vigor, servindo estratégias políticas determinadas, é ser mais ingénuo e optimista do que Pangloss.
Por outro lado, é certo que, ou por crença na necessidade de "acelerar a história" ("é preciso obrigá-los a ser livres", dizia Saint Just), ou por desejo de aproveitar uma ocasião única, ou por grandiloquente ideia sobre o "dever de transformar o Mundo" (e quejandos), há legislação talhada, não para a realidade, mas para a utopia. Não para os homens de carne e osso, mas para uma nova e olímpica humanidade. Não para satisfazer o bem comum, mas o apetite intelectual do legislador.
No caso lusitano, há ainda muitos outros males, no "aparelho da Justiça", do falso segredo à demora, da ineficácia à incredibilidade, da falta de homens à falta de meios.
Contra a corrente, o presidente da República fez bem em abrir a cortina sobre os mesmos cancros.
São públicos. Mas são cancros.