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Atirar a pedra e esconder rapidamente a mão que arremessou o calhau é uma ancestral estratégia dos covardes. Uma fonte da troika (isto é, alguém com um cargo na Comissão Europeia, no FMI ou no Banco Central Europeu) disse ontem ao diário digital "Dinheiro Vivo" qualquer coisa como: é bom que os governantes portugueses ganhem juízo e não saiam dos carris que nós, as luminárias, definimos para o futuro do vosso pequeno país. Se assim não for, temos aqui dois dardos potentes prontos a ser lançados: um chama-se programa cautelar e o outro chama-se segundo resgate. Estamos, portanto, esclarecidos: quando, amanhã, o Conselho de Ministros se reunir para comemorar o fim do programa de ajustamento, arrisca-se a apanhar com as canas dos foguetes lançados. Será que Paulo Portas terá coragem para desligar mesmo o relógio?
Tomemos boa consciência do seguinte: a pedrada que ontem veio de Bruxelas tem, por um lado, a intenção de nos acordar e, por outro, de nos condicionar. Acordar? Sim, acordar para o facto de o filme de terror que começou há três anos ter várias sequelas preparadas. Vale o mesmo dizer: os senhores da troika estão longe de acreditar na nossa capacidade para levar este barco a bom porto. É por isso que se dão ao luxo de mandar dizer, através de um incógnito alto quadro de Bruxelas, o seguinte: se "alguma coisa correr mal dentro de Portugal, por causa de políticas doentias [...] terá de haver um debate mais difícil à volta de um segundo programa, o qual não será cautelar".
O leitor repare neste cinismo de alto calibre: a expectativa de Bruxelas é que o Governo, este ou outro, continue a "implementar políticas sólidas", por oposição ao estado líquido, ou mesmo gasoso, das políticas nefastas que eram aplicadas antes do choque frontal com a realidade. Um exemplo de "política sólida"? "Queremos ver reformas [...] no mercado de trabalho", que ainda não tem a "flexibilidade desejada" pela troika. Quer dizer: os direitos garantidos dos trabalhadores são um excesso e os entraves aos despedimentos, com justa causa ou sem ela, são outro excesso.
Já sabíamos que a troika sairia de Portugal não saindo. Já sabíamos que a troika continuará a visitar-nos, para avaliar o andamento dos dossiês negociados. Já sabíamos que os nossos credores rodarão o torniquete até que o último cêntimo do empréstimo lhes seja devolvido (o que é justo). Só não sabíamos que a troika gostou tanto de cá estar que quer continuar a mandar no nosso destino à descarada.
O ralhete que veio ontem de Bruxelas - e que não mereceu, ate à hora a que escrevo, nenhum desmentido da troika nem nenhum comentário do Governo português - acaba de vez com a ilusão dos iludidos. Portugal continuará a ser um protetorado, por muito que isso custe a Paulo Portas e a Passos Coelho. E por muito que isso custe aos portugueses, que continuarão a sentir no bolso o efeito da "proteção".