Pronto! E assim se pede o JN. Em todo o seu espaço natural (do Porto a Viana, de Aveiro a Bragança) durante muito tempo ouvi pedir assim o "Jornal de Notícias". Não havia dúvidas, nem hesitações. O Jornal era o JN e ponto.
Corpo do artigo
Não porque não houvesse outros. Havia e alguns também com especial impacto na Região, mas nenhum tinha conseguido estabelecer esta osmose entre a marca e o produto. Não porque fosse o primeiro da sua espécie. Como as Collants ou o Black & Decker que foram marcas e hoje são produtos.
Apenas porque ao longo do tempo fora conseguindo entranhar-se no seu território e dele observar o seu país. Essa opção deu-lhe identidade e garantiu-lhe a representatividade que o torna ainda hoje único interlocutor avalizado para muitos dos seus leitores.
Numa perspetiva de mercado estes são dois atributos ímpares na valorização de um produto. Projetam o seu consumo para além da esfera da utilidade. Promovem-no a experiência emocional e aspiracional. Em rigorosa consonância com a nossa sociedade hipermoderna em que impera a hiperescolha e a sedução.
Gilles Lipovetsky (filósofo francês criador do conceito) diz que "o que define a hipermodernidade não é exclusivamente a autocrítica dos saberes e das instituições modernas; é também a memória revisitada, a remobilização das crenças tradicionais, a hibridização individualista do passado e do presente. Não mais apenas a desconstrução das tradições, mas o reemprego dela sem imposição institucional, o eterno rearranjar dela conforme o princípio da soberania individual".
O JN pode no seu conjunto ser lido à luz desta novíssima tendência em que a crítica política e social coletiva se tece na realidade local e tradicional do território onde nasce, num processo de hibridização que lhe garantirá o sentido e a sobrevivência.
Não pode naturalmente ignorar os desafios:
- a evolução alucinante da tecnologia que exige novas plataformas e novas interatividades
- e a evolução dececionante da economia que exige novos esforços na criação de valor
- o nível etário dos seus leitores ditos mais tradicionais
- e as oportunidades abertas pelos 70 que são hoje 60 e por uma senioridade mais do que ativa, criativa
- o lazer que deve ser cada vez mais longe da realidade
- e o sentido recreativo da leitura
- a fadiga do "always on"
- e da tomada de decisão implícita em novas escolhas
- o incentivo à saúde sem defeitos
- e o respeito pelo diferente
- os lares multigeracionais
- e os espaços miniaturizados
- a perfeição da imagem gerada por computador
- e o tédio que a perfeição provoca
- as mulheres que escolhem
- e os homens que compram
- os que só leem online
- mas que leem muito melhor
- o virtual
- que é cada vez mais ancorado no real
- o individualismo
- e a geração CO - colaborativa, co-operante, corresponsável
Tudo isto, estranhado e entranhado. "Dê-me o Jornal" é luxo garantido para um JN que consiga, agora mais do que nunca, recrudescer em vigor emocional e identitário.
Juntar pessoas, muitas pessoas de muitos quadrantes, idades e formações durante um dia inteiro e falar da Região e do país ajuda.
Foi exatamente isso que o JN conseguiu no dia 3 de junho na conferencia comemorativa dos seus 125 anos. Fomos muitos, falamos e ouvimos, mas sobretudo reconhecemo-nos.
Somos da família, lemos o Jornal, sofremos as mesmas vitórias e desilusões, atacamos o centralismo, e não temos a certeza da alternativa, não queremos mais dinheiro, mas queremos mais autonomia e mais responsabilização, gostamos do Manuel António Pina e, por ele, de gatos.
Este sentimento que se intui mas só se comprova quando nos vemos e nos falamos é vital a um empoderamento da Região que mais do que uma luta é uma obrigação.
Para que aqui, porque ainda nos reconhecemos, a profecia de Lipovetsky não se cumpra: "As grandes estruturas socializantes perdem a sua autoridade, as grandes ideologias já não trazem nada de novo, os projetos históricos já não mobilizam, o campo social é apenas o prolongamento da esfera privada: a era do vazio instala-se (...) sem tragédia nem apocalipse".