Há cerca de 10 anos, a líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, sugeriu ironicamente a suspensão da democracia por seis meses para realizar as reformas de que o país precisava. Na altura, o PS não gostou da ironia, mas parece ter recuperado parte dessa ideia quando teve de lidar com uma segunda greve dos motoristas de matérias perigosas.
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Agora que a greve está desconvocada e a requisição civil regressou à gaveta, pode dizer-se que a crise energética não chegou a ser crise. Ainda bem! Vale a pena registar algumas das coisas que aconteceram nesta greve que era para ser de todos os motoristas mas acabou por ser, pelo menos do ponto de vista mediático, apenas dos motoristas de mercadorias perigosas:
1 - Muito antes da greve ter início, o Governo trabalhou para que ela tivesse efeitos antecipados, sugerindo a todos os portugueses que atestassem os depósitos nos dias anteriores à greve;
2 - Escudando-se num parecer da Procuradoria-Geral da República, o Governo decretou serviços mínimos que se confundiam com os serviços normais e a que se podia chamar serviços máximos;
3 - Estando os automóveis com gasolina a mais e os postos de abastecimento com gasolina a menos, bastou que os serviços mínimos não fossem totalmente cumpridos, para a gasolina faltar e o Governo avançar com a requisição civil;
4 - Como se o país estivesse em vias de entrar numa crise grave, o Governo colocou de prontidão as forças de segurança e os militares para ajudarem a Antram a fazer os seus negócios. Foram feitos 300 transportes e percorridas dezenas de milhares de quilómetros pela Polícia e pelos militares;
5 - A GNR, além de ter fornecido mão de obra grátis, também ajudou a intimidar alguns trabalhadores que não estavam a cumprir a requisição civil;
6 - Enquanto tudo isto aconteceu, a oposição de Direita estava de férias e os parceiros de Esquerda estavam em parte incerta. Parecia um regime de partido único;
7 - O presidente da República esteve sempre muito prestável para ajudar o Governo a manter o sindicato do dr. Pardal em sentido;
8 - Quando foi preciso isolar totalmente o tal sindicato, entrou em cena a CGTP para anunciar um acordo que não existia na realidade, não existe na realidade e ninguém pode garantir que vai passar de princípio de acordo a acordo efetivo;
Hoje, a Antram tem de retribuir a bondade governamental que, por coincidência de interesses, beneficiou os patrões nesta luta. Regressamos à normalidade democrática, a uma negociação em que o sindicato do dr. Pardal pode sair com uma mão cheia de nada e convocar nova greve.
*Jornalista