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Era uma canção de Sérgio Godinho que dizia "hoje é o primeiro dia do resto da tua vida"… Lembrei-me dela porque se nos aplica a todos, a partir de amanhã. Terminado o período de três eleições, as autarquias ficam com novo governo, os deputados europeus entram de vez nos seus trabalhos e os de cá entram num jogo político como há muito não vemos na política portuguesa. Vai ser animado. Ah, e acabam as promessas. Voltamos à realidade pura e dura.
Amanhã mesmo, Sócrates será indigitado primeiro-ministro. Falará com os outros partidos e, tudo o indica, apresentará depressa um novo Governo. Teve tempo para pensar em nomes, em políticas e estratégias. Irá para o Parlamento com um programa muito decalcado do programa eleitoral e irá à vontade com o que puder suceder. É pouco provável que algum partido avance com uma moção de rejeição, caso em que teria de se proceder a uma votação. O programa será discutido, bem zurzido pela oposição e nada mais. Mesmo mais tarde, quando chegar a hora do Orçamento não deverá ser diferente. Não será desta vez que os partidos da oposição chumbarão o Orçamento, pois o risco de o descontentamento popular lhes ser devolvido, qual bomerangue, é grande. É que o Governo não pode ser demitido nos próximos seis meses. Um chumbo orçamental significará viver com duodécimos, viver em grande aperto, muito provavelmente no meio de grande convulsão social que o Governo endossará, facilmente, aos seus opositores.
O chumbo orçamental, na verdade, poderá interessar sobretudo ao PSD, que necessita de alguma afirmação depois da derrota nas legislativas. O PSD tentará tudo para empurrar o CDS para o apoio ao PS, assim ficando mais à vontade no domínio da Direita. Mas é um risco, além de que não se sabe que oposição interna terá Ferreira Leite, se durará até Maio, ou se não completará, sequer, o mandato. É que manifestações de força no Parlamento só fazem sentido se, na retaguarda, o partido estiver unido, forte. É pouco provável. E o CDS tem seguramente uma estratégia à prova destas "ratoeiras", um tempo muito próprio para as suas decisões. Afinal de contas, Portas fez em cacos a tese do voto útil da Direita no PSD.
PCP e BE vão travar na legislatura que começa vários combates. É o domínio da Esquerda à esquerda do PS que está em causa. Mas é cedo ainda. Não tarda, as eleições presidenciais, as lutas sindicais - em que ambos também querem ter influência - vão acentuar clivagens. Mas, por agora, na discussão do programa do Governo, deverão apresentar críticas duras e até semelhantes ao Governo. Afinal, o que o eleitorado disse é que não quer um PS absoluto no Governo…
Se o Governo não terá vida fácil, a oposição não respirará muito melhor. É que todos precisam de se ir vigiando. Com seis meses de vida "dados" ao Governo pela Constituição, se algum partido decidir votar contra, algum (ou alguns, depende) dos outros terá que se abster. Foi precisamente este o equilíbrio que o eleitorado quis. E é precisamente este balancear que vai trazer vida nova à política portuguesa e fazer do dia de amanhã o "primeiro dia" de um tempo necessariamente diferente.