Nada na história bate certo. O menino não nasceu há 2013 anos. Bento XVI, conceituado especialista na matéria, garante que ele veio ao mundo alguns anos antes da data que celebramos. Doutores da Igreja e académicos leigos estão de acordo. É fazer as contas. Mateus, no seu Evangelho, conta que o colérico Herodes Magno, o rei dos Judeus, ao saber do nascimento de Jesus, mandou matar todos os bebés de Belém. Ora está documentado que aquele tenebroso rei morreu em 4 a. C.
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O nosso calendário deveria pois sofrer um ajustamento, recuando o ano zero, que assinala o nascimento de Cristo, uns bons seis anos, pelo que deveríamos estar no final de 2019, hipótese que me agradaria bastante pois permitia-me dar um grande nó cego à Segurança Social. Desde o último Natal já se passou um ano e eu mantenho-me à mesma distância de nove anos da idade legal da reforma. Com a retificação do calendário estaria a apenas três curtos anos dessa meta.
O menino nem nasceu há 2013 anos nem a 25 de dezembro, dia escolhido pelo simbolismo que encerra a vitória da luz sobre a noite mais longa do ano.
A liturgia do Natal não passa de uma construção teológica, habilmente tecida ao longo dos séculos, ao sabor de conveniências diversas, sem a preocupação de ter sequer aderência às Sagradas Escrituras. Jesus nasceu numa gruta, não num estábulo, a presença da vaquinha e do burro são um mito que Bento XVI desmentiu, e os reis magos nem eram reis (Mateus fala em homens sábios, talvez astrónomos), nem eram três, seriam talvez 30!
A mais polémica das questões que envolvem o nascimento de Jesus é a da sua imaculada conceção. O Vaticano reafirma que Maria era virgem sendo Jesus obra do Espírito Santo (não confundir com os homónimos banqueiros, que neste caso estão inocentes), baseando-se no que escrevem Mateus (um anjo apareceu a sossegar José, explicando-lhe que a gravidez da sua jovem noiva decorrera da ação dum santo espírito) e Lucas (o anjo Gabriel apareceu a Maria avisando-a de que estava grávida do filho de Deus).
Os académicos têm teses mais terrenas. E. P. Senders, investigador do Novo Testamento, diz que Maria engravidou depois de violada por um soldado romano. Já Jane Schaberg, professora de Estudos Religiosos em Detroit, garante que Maria se apaixonou e manteve relações sexuais com o arqueiro romano Tibério Pantera, não tendo a certeza se isso aconteceu antes ou depois de ela conhecer o velho José.
Nada na história do Natal que celebramos bate certo com a realidade, mas isso não me preocupa, até porque de todas as festas de calendário (Carnaval, Páscoa, aniversário, S. João e passagem de ano), a que mais me emociona é o Natal.
É tão bom nesta quadra deixarmo-nos invadir por uma alegria quente de que estamos bem precisados. E até a falta à mesa da ceia dos que já partiram nos permite recordá-los com uma saudade quase enxuta de tristeza, porque o Natal apela à celebração da vida, até porque cada nascimento é a promessa de uma morte, a prazo incerto.