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Só alguém muito distraído poderia deixar de notar que o PSD de hoje é um partido muito diferente. O PSD evidenciou nos últimos quinze anos (para além da permanente e inconsequente balbúrdia interna) uma irremediável relutância em deixar entender um vislumbre de novidade face ao estado acamado das coisas deste regime. O PSD, antes de Passos Coelho, assumiu integralmente as vestes de partido fundador do sistema, confundindo-o, contudo, com um estranhíssimo dever de não consentir ou mesmo facilitar a sua evolução. Salvaguardando algumas (parcas) excepções, as lideranças que se foram sucedendo dificilmente se conseguiam fazer distinguir do PS. Se nos abstrairmos das idiossincrasias específicas que advêm da personalidade dos líderes, terá existido, de facto e em concreto, alguma diferença entre aquilo que António Guterres foi enquanto primeiro-ministro e o que Marcelo Rebelo de Sousa propunha nos três anos e tal em que foi líder da Oposição? E se exceptuarmos a Cimeira dos Açores e a posição quanto à Guerra do Iraque, seriam perceptíveis divergências assinaláveis entre aquilo que Durão Barroso confeccionou e o que Ferro Rodrigues teria cozinhado se alguma vez tivesse oportunidade? Basta relembrar que Barroso venceu as eleições de 2002 estribando-se na promessa do "choque fiscal" - para a incumprir, sem pestanejar, pouco tempo após ter tomado posse...
E, novamente, será que Marques Mendes (aquele que foi líder do PSD e não o que agora publica livros em que desmente quase tudo aquilo que defendeu quando foi poder e presidente laranja) ou Ferreira Leite (uma péssima ministra das finanças entre 2002 e 2004) teriam sido capazes de retirar o País da queda acentuada em que também o ajudaram a descambar?
Creio que não. O PSD e o PS foram irmãos siameses na última década e meia: o que um compôs o outro completou. Não efectuaram as reformas necessárias, nem em relação ao sistema político nem à Administração Pública nem mesmo quanto ao mundo do trabalho e das empresas. Face ao que importava transformar no País, serviram, à vez, de obstáculo - inventaram estorvos tantas vezes absurdos (a regionalização é o melhor exemplo) e embargaram quase tudo que adivinhasse mudança. À conta da "mesmice" que tonalizou o PS e o PSD, o regime estratificou-se, ganhou musgo, desbaratou a receita das reformas necessárias e o País empobreceu, perdeu energias e a vontade de existir.
Agora, finalmente, o PSD mostra diferença. No actual estado de coisas, Passos Coelho poderia dizer muito pouco ou remeter-se apenas ao papel, que alguns dele esperavam, de mero repetidor "do-que-já-se-sabe" - sem dúvida alguma, os profícuos escribas e os arautos da Corte sossegariam os interesses instalados e o povo permaneceria como o rebanho que tem sido, pacatamente à espera da mudança anunciada que, segundo os usos do regime, deixaria tudo ficar na mesma.
Mas Passos Coelho preferiu denunciar em vez de ser um cúmplice expectante. Avisa que é preciso sermos coerentes com os diagnósticos que nos garantem que somos o País mais mal governado de entre aqueles com os quais gostamos de nos comparar. Declarou que não podemos manter um Estado tão pesado, tão caro e tão ineficiente. Reconhece que não se podem fazer reformas contra as pessoas - mas que isso não pode constituir uma evasiva para que nada se faça. Que é preciso corrigir o sistema político, alterar as leis eleitorais, deixar de realizar eleições com os deputados anónimos e anódinos a serem carreados em bando para o Parlamento.
Perante o clamor da mudança, o PS fecha-se na concha da sua inércia. Nada quer mudar antes pelo contrário: prepara-se para aclamar Sócrates num Congresso norte-coreano. Ameaça de antemão quem ouse pensar diferente do Pequeno Líder. Este, sem nunca ter reconhecido um só erro nos últimos seis anos, vai anunciar, esfusiante, ao País que tudo está bem apesar das aparências e que a solução é continuar a reincidir em tudo o que nos trouxe até aqui.
Raras vezes as escolhas foram tão distintamente claras.