Entrei no liceu a meses do "25 de Abril". Havia, no "ciclo complementar", "organização política e administrativa da nação", rapidamente substituída por uma coisa chamada "introdução à política", onde se estudava o dr. Luso Soares, entretanto convertido ao PC, e "A Revolução Portuguesa" do próprio dr. Cunhal.
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Marcello Caetano abolira a obrigatoriedade de frequentar as actividades da Mocidade Portuguesa. Os meus pais limitaram-se a pagar uma taxa correspondente ao fardamento que nunca usei. Não cheguei, sequer, a ser "lusito". Em compensação, a revolução foi rápida a tomar conta do liceu, onde decorriam diariamente "assembleias", ora no ginásio, ora na "sala de convívio". E pancada, muita pancada.
Abolido o "quadro de honra", onde figurei até ao fim do "fascismo" - um mísero período, ou dois -, atingi os antigos 6.o e 7.o anos quando já mandava na Educação o dr. Sottomayor Cardia. A professora de História era então, aliás, mulher do secretário de Estado, o dr. Almerindo Marques, que viria a notabilizar-se como presidente do CA da RTP da Direita nos idos do dr. Barroso. A dra. Maria Emília persistiu como uma das minhas maiores "formadoras".
Dos da "introdução à política", não sobrou nada. A Maria Emília, como ela insistiu que a tratasse anos depois, ajudou-me, adolescente e frívolo, a entender o mundo, no caso, o português na sua pluralidade, liberdade e diversidade. Sugeriu-nos autores que ficaram. Eu ia para a Biblioteca Nacional para poder ler António José Saraiva, Jorge Borges de Macedo, posteriormente meu professor na U. Católica, e o "Dicionário" de Joel Serrão que só muito mais tarde pude adquirir a prestações.
Isto para dizer que, entre 1973 e 1978, o Estado, do "marcellista" ao do PS do primeiro Soares, jamais me impingiu uma "ideologia" ou um "modo de vida". Pelo contrário, nunca precisei que o Estado viesse a tornar obrigatórias - como desde 2018, nas escolas, pela mão deste governo PS de idiotas úteis e, essencialmente, do Bloco - "ideias" sobre sexualidade, igualdade de género, "interculturalidade", saúde, direitos humanos, "segurança rodoviária" (só tirei a carta aos 30), "educação para o consumo" ou "masculinidade hegemónica" (palavra de honra) para saber distinguir o meu braço direito do esquerdo.
Precisei, sim, dos meus pais nessa altura fundamental. E do que assimilei, separando. Uma disciplina obrigatória, denominada "educação para a cidadania", é um retrocesso democrático, tanto mais num governo em que a ministra da Justiça cerceou, a semana passada, a liberdade de informação sem pestanejar.
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)
*Jurista