Compreende-se o desconforto de um presidente da República que se presume representante de todos os portugueses, quando instado a pronunciar-se sobre um domínio onde irrompem clivagens ideológicas.
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Compreende-se até a tremideira na mão, ao assinar a promulgação de um diploma contrário aos seus princípios, sabendo estar perante um daqueles casos em que não lhe cabe a última palavra. Só não se percebe por que não foi Cavaco Silva consequente. Por que não traduziu, preto no branco, as suas convicções.
Discordando da lei que viabiliza o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o presidente deveria assumir o veto político. Assim marcaria posição - a sua posição, que é a da família política que o elegeu - em vez de seguir o caminho do "deixo passar, mas se pudesse...", completamente estéril e assente em argumentos frouxos, como a necessidade de nos concentrarmos na superação da crise.
Não é a primeira vez que Cavaco se vê confrontado com matérias emanadas da Esquerda que traduzem uma mundivisão distinta da sua. Nunca terá ido, porém, tão longe na colagem a uma proposta partidária - no caso, à que o PSD apresentou.
A acusação de falta de vontade política para alcançar um consenso alargado traz água no bico - isso ficou claro na declaração que fez ao país. Conduz directamente à pretensão do PSD de conceder aos homossexuais uma "união civil registada", modelo adoptado pelo conjunto de países de que Cavaco falou. Isto é: consenso seria, na sua óptica, seguir a via preconizada por um partido, pondo de parte a subscrita por outros três, que em conjunto representam a maioria dos eleitores e declararam previamente a intenção de legislar neste domínio.
Suporá Cavaco que se esta fosse a opção se extinguiriam, por artes mágicas, as divergências. É acreditar que em domínios impregnados de ideologia é possível encontrar o mínimo denominador comum, que a todos agrade. Não é, definitivamente. Como não faz sentido invocar o escasso número de países onde vigora a lei que acaba de promulgar. Portugal, primeiro estado do Mundo a abolir a pena de morte, foi durante anos excepção. A história deu-lhe razão.