Corpo do artigo
Fala-se muito do desprezo a que a agenda mediática remete as nossas ilhas, mas esta semana não nos podemos queixar. Ele foi um juiz de Ponta Delgada acusado de pedofilia, ele foi o ex-deputado micaelense do Chega, Miguel Arruda, que foi uma espécie de caldo verde a fumegar, já que toda a gente quis molhar a sopa, e foram as declarações sobre touradas do secretário regional da Agricultura, António Ventura. Foi só pena a Cristina Ferreira não ter tido a ideia de fazer o seu Pipy a cheirar a ilha das Flores.
Numa altura em que, por questões ideológicas, a importância da disciplina de cidadania é posta em causa, é refrescante ver governantes com ideias práticas sobre o tema. Num evento na ilha Terceira, o secretário regional da Agricultura afirmou: "Eu não encontro uma escola de cidadania melhor que a tourada". Exatamente. Porque o plano curricular da disciplina de cidadania foca-se muito em educação para a saúde, educação financeira, educação de direitos humanos, voluntariado e até educação rodoviária que, como é óbvio, são tudo coisas que põem em risco os nossos jovens. "Ah, mas a ONU emitiu um relatório que demonstra o impacto psicológico negativo que a violência das touradas tem nos jovens e os enormes riscos físicos que implicam a sua prática". Eh pá, "tá bem! Mas e a dor de cabeça que dá ouvir falar da Constituição da República durante 90 minutos? E o risco que é bater com a cabeça na mesa quando se adormece porque a professora se lembrou de ensinar a fazer o IRS logo às 8 da manhã?
No mesmo evento, António Ventura afirmou que "é uma falácia dizer-se que não há bem-estar animal na tourada". Verdade. Só quem tem má vontade é que não vê que aquilo que acontece ao touro não é minimamente desagradável para o animal. Primeiro, viaja de cu tremido. Depois, é-lhe dada a possibilidade de conhecer, a custo zero, localidades tão lindas como a Azambuja. E, no fim, está ali na arena a conviver com gajos porreiros que lhe vão fazendo acupuntura durante um bom bocado.
Aproveitando a presença do governante, José Parreira, presidente da Tertúlia Tauromáquica Terceirense, aproveitou para dizer que o coletivo vai voltar a insistir no regresso da saudosa "sorte das varas", afirmando que desde que a prática foi ilegalizada "a tauromaquia ficou mais pobre". E foi preciso eu pesquisar sobre o que raio é "sorte das varas" para perceber que realmente houve uma magia que se perdeu. Basicamente, é uma prática que precede a tourada, que consiste em picar o touro de forma a, quando for toureado, não ter força na cabeça. Com a "sorte das varas" o animal pode perder cerca de um terço do sangue. Realmente envolve sorte, mas é uma fortuna bastante unilateral. Deve ser um programa giríssimo para toda a família e deve dar imensa fome. É que, parecendo que não, uma pessoa fica ali ali horas a assistir a um kebab ao vivo.

