O advento das redes sociais mudou a relação das pessoas com os média. As plataformas virtuais filtram tudo, normalmente imiscuindo-se, criando uma geração de recetores indiretos que sucumbem facilmente à mentira e à manipulação.
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Tragédia a que não se acudiu quando a própria Imprensa, ainda mal entendendo o que fazer, embarcou numa ávida busca pela visibilidade nas redes, mormente no Facebook, investindo tudo em publicações que funcionavam como isco para uma simples visita às suas páginas. Jogando com a curiosidade, e já não com a notícia, a toda a hora nos víamos invadidos por perguntas e afirmações sensacionalistas que, aberta a ligação, mais não eram do que uma força de expressão, uma piada, um boato.
Dizia-se que os jornais passavam os dias a imaginar modos de levar as pessoas aos importantíssimos "views", mais do que a ponderar a informação. A Imprensa passou a estar na vida de muita gente como algo que se ocupava de uma certa mentira constante, uma frustração constante, porque nada era bem como o título prometia. Com o tempo, a frustração transforma-se em ofensa e os leitores mais avisados afastam-se.
A verdade é que as coisas mudaram porque o Facebook mudou o jogo. Boicotando largamente a presença da Imprensa na rede, deixámos quase todos de ver os jornais, muitos, inclusive, abandonaram as suas contas, em protesto e constatado que seria ocioso ficar produzindo conteúdos para um meio que ninguém acompanharia. O Facebook simplesmente não mostra as páginas públicas a quase ninguém. Não mostra nem a dez por cento dos seguidores.
Hoje, quando inevitavelmente a maioria das pessoas se informa de modo errático, sem critério nas fontes, sem genuína, empenhada, preocupação com a factualidade, à Imprensa resta lembrar-se da deontologia e regressar à conduta que sempre justificou a sua existência. Estou em crer que sobreviverão os meios que proponham um compromisso de maior dignidade com os seus leitores. O cidadão comum, acostumado agora a passar em superficial velocidade pelos cabeçalhos do dia, numa atitude de puro entretenimento e não de consciencialização informativa, não vai tornar-se leitor pagante de um jornal a menos que sinta que adquire um reduto privilegiado, de valor concreto, da verdade. Hoje, a força de um jornal estará na sua seriedade, chegando às mãos das pessoas como algo em que possam confiar, por oposição a um universo sem fim de mentiras e meias-verdades em que todos estamos imersos.
A deontologia jornalística nunca, como agora, se tornou tão urgente. A ética jornalística é fundamental para a construção social. Sem uma informação clara e imparcial ninguém poderá votar de modo convicto. Diria que sem isso não existirá qualquer verdade, apenas pressentimentos. O que transforma qualquer decisão numa lotaria. E ainda que todos pressintamos e arrisquemos a sorte, o papel da imprensa é sustentar factos e apoiar a verdade de que honestamente se saiba. Se não servir para isso, estará condenada. O mundo virtual é infinitamente mais ágil e atraente e bastará para dominar os espíritos voláteis e inconsequentes que se desenham cada vez mais.
*Escritor