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Quando o PCP revelou disponibilidade para apoiar os socialistas após as eleições de 4 de outubro, "caiu um muro", como disse António Costa, e não foi só no sentido de se abrir uma avenida para a formação de um Governo apoiado pelos quatro partidos de Esquerda. Existem, de facto, uma série de bloqueios instituídos que, de tão incontestados, se tornaram invisíveis e que hoje podem estar em processo de diluição. Para caírem definitivamente, estarão dependentes do tempo de duração do Governo e daquilo que Costa necessitar de fazer para o dilatar.
O primeiro sinal disso foi quando, alguns dias após as eleições, ao fazer zapping, deparei com um discurso em direto de Jerónimo de Sousa. Não era o que ele dizia, mas o facto de um canal de televisão, num dia a meio da tarde, achar pertinente colocar em direto o líder do PCP. A comunicação social, habitualmente tão arredada da linguagem repetitiva dos comunistas, tinha passado a precisar de ler nas entrelinhas do discurso de Jerónimo.
Outro sinal desta mudança é a vontade do PCP e do BE de integrarem o Conselho de Estado, onde os bloquistas nunca tiveram assento e de onde os comunistas foram arredados por Cavaco Silva. Num órgão que serve para o presidente auscultar diferentes sensibilidades, faz sentido uma maior representatividade da Esquerda, mas para isso o PS vai ter de acabar com a tradição de divisão com o PSD dos cinco lugares da Assembleia da República. O risco é que isso se possa traduzir num bloqueio em futuras nomeações do Parlamento que necessitam de dois terços dos deputados, mas é este o frágil equilíbrio da democracia.
Outro sinal ainda, e este com mais implicações na vida do dia a dia dos portugueses, foi o que se passou ontem na Concertação Social com o salário mínimo. No passado, ninguém estranharia que houvesse um acordo pré-cozinhado entre Governo, patrões e UGT, cabendo à CGTP o habitual papel de desagrado. Agora, a necessidade de manter o apoio parlamentar do PCP faz com que o Governo tenha de escutar e acomodar as posições da CGTP. Ganha o diálogo e o consenso, mas os riscos económicos têm de ser bem ponderados. Mais uma vez, equilíbrio precisa-se.
Isto primeiro estranha-se, mas depois entranha-se, e sossegue quem acha que é uma particularidade nacional. Bastava ler a primeira página do "El País" de sábado, onde um título dizia que o candidato do PSOE "oferecia uma maioria a qualquer partido se ganhar ao PP" e o outro afirmava que "Rajoy teme que Rivera tente formar Governo se ficar em segundo". Não é só por cá que caem muros.