Depois da tragédia, impõe-se restituir a confiança
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É uma pesada tragédia esta que se abateu anteontem ao final da tarde em Lisboa, com o acidente que vitimou muitos daqueles que compraram bilhete para fazer a viagem descendente no Elevador da Glória. O descarrilamento deste funicular faz desmoronar o sentido de segurança nas estruturas que deveriam proteger sem qualquer falha quem as utiliza. Isso não aconteceu. Com duras consequências. O restabelecimento da confiança deve ser uma das bases para decidir o que há a fazer.
Recebendo anualmente milhões de visitantes, os funiculares são um ícone que transporta uma memória viva de uma Lisboa que se dá a usufruir a turistas, e também a cidadãos locais, que neles embarcam como quem entra numa espécie de cartão de visita da cidade. Subitamente, esse atrativo transformou-se num doloroso cartão de condolências. O que deveria ser um símbolo de descoberta e de leveza transformou-se num chão de infortúnio que marcará para sempre familiares daqueles que faleceram, os feridos, mas também a identidade da cidade e, por extensão, do próprio país que encontra no turismo um vetor vital para o desenvolvimento nacional. A capital viu-se, de repente, confrontada com uma inesperada fragilidade, resultante de algum descuido na vigilância e no cuidado daquilo que é o seu património e as suas infraestruturas que se apresentam como atrações turísticas.
Todos sabemos que o turismo assenta na confiança de quem chega, acredita que os espaços são seguros, crê que a mobilidade está garantida e espera que a herança do passado não se transforme numa armadilha no presente. Tudo isso está agora em causa e precisa de ser restaurado através de medidas transparentes, responsáveis e com uma visão de futuro.
Neste contexto, há perguntas que têm de ser respondidas com celeridade: qual o estado real de conservação destes equipamentos? Que políticas de manutenção estavam a ser seguidas? Que responsabilidade pública deve ser apurada? Que medidas de reforço vão ser tomadas a partir de agora? Ninguém pode apresentar-se em público com um discurso centrado na modernização e na inovação das cidades, quando percebemos que a negligência coloca vidas e património em risco.
A tragédia que agora testemunhamos deixa muitas perguntas que persistirão por muito tempo: como foi possível? E, principalmente, como evitar que tais acidentes se repitam? As respostas exigem investigações rigorosas e um compromisso público que ultrapasse a mera gestão da crise e que se sobreponha às lógicas eleitorais em tempo de pré-autárquicas. Não basta reparar carris e trocar cabos. Há que restituir a confiança.