Quando, hoje à noite, nos sentarmos à volta de uma mesa, enraizados por laços que não se deixam conspurcar pela fúria consumista do Natal, saberemos que o fica, o que sempre fica, é a reunião familiar que se alimenta de memórias, lugares e gerações.
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Que se constrói com as pessoas que nos completam, com as que não estão mas que nunca partiram, com as pessoas pelas quais damos tudo, com aquelas pessoas, no fundo, que nos fazem querer voltar, ano após ano, àquela mesa. Mesmo que eivado de romantismo, queremos crer que esse princípio ainda prevalece sobre tudo o resto. E isto não tem nada que ver com fartura material, mas com a faísca que nos aquece as entranhas, que nos reconforta muito mais do que qualquer embrulho dourado ou laçarote vistoso.
Só que o Natal não são só renas, anúncios televisivos piegas e músicas cintilantes da Mariah Carey. O Natal é, acima de tudo, um proveitoso negócio global, assente na ideia ainda brutalmente eficaz de que o caminho para essa felicidade circunstancial apenas se alcança por via de uma compensação material. Também por isso, o Natal é comportamento. É um retrato fiel de um determinado momento na lógica apaziguadora do consumo. Entorpecidos ou esquecidos, a verdade é que os portugueses gastaram como nunca nesta quadra, ao ponto de a rede Multibanco ter batido um novo recorde diário de transações. Aparentemente alheios à escalada inflacionista, a um conflito militar e a uma guerra energética ainda de consequências imprevisíveis, lançámo-nos nos corredores dos shoppings para estilhaçar as mais pessimistas previsões sobre a tibieza do nosso poder de compra. Haverá, em pano de fundo, muito crédito, muita distorção de prioridades, alguma alienação, até. Os pessimistas dirão que seguimos numa direção pouco recomendável, ainda que recorrente; os outros, que suspeitamos serem a maioria, entoam os "lalabais" ternurentos e erguem os copos bem alto. Depois do Natal vê-se.
Diretor-adjunto