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A instabilidade que vivemos torna escrever, com dois dias de antecedência, um artigo sobre a conjuntura económica e política um exercício de risco elevado. São as oscilações dos mercados da dívida pública, as iniciativas políticas do Governo, as reacções do PSD e a própria posição do presidente da República. Somemos-lhes uma moção de censura, mesmo que de faz de conta, a manifestação das gerações à rasca e a do próximo fim-de-semana e, ainda, a paragem das empresas de camionagem e temos reunidos quase todos os ingredientes para um desfecho fatal. Ou muito me engano, ou temos à porta uma crise política de todo o tamanho, com consequências imprevisíveis.
Quando tudo recomendava prudência, assiste-se, pelo contrário, a um acelerar confuso do tempo, a raiar o nonsense, em que ninguém parece escapar à voragem do protagonismo. Quando seria necessário trabalhar para construir pontes, optou-se pelo conflito gratuito. Talvez o discurso de posse do presidente da República não tenha sido o mais adequado, embora seja mais fácil construir acordos quando sabemos, claramente, quais as posições uns dos outros. Com os dados hoje disponíveis, a decisão do Executivo de anunciar o PEC4, e a forma como o fez, são gasolina atirada para a fogueira da instabilidade, uma tentativa de acantonar o maior partido da Oposição e de lhe assacar as culpas pela crise que se antecipa. Com uma desvantagem adicional: a falta de clareza quanto à motivação para as novas medidas permite aos sociais-democratas uma resposta elíptica, na qual não se consegue discernir se são contra por serem os últimos a saber ou por razões políticas e, nesse caso, quais as alternativas às medidas anunciadas. Uma confusão! Nada disto seria muito perigoso se vivêssemos um período normal. A política desprestigiar-se-ia um pouco mais, batendo mais fundo do que alguma vez se havia antecipado. Acontece que estes são tempos perigosos, em que episódios como estes contribuem para desacreditar, ainda mais, o regime democrático, abrindo portas para a potencial emergência do populismo: os episódios José Manuel Coelho, nas presidenciais, e os Homens da Luta, no Festival da canção, não podem ser menorizados. Se Portugal não escapar ao pedido de "ajuda" internacional, fá-lo-á, exactamente, nas condições que todos os analistas, e os casos anteriores da Grécia e da Irlanda, desaconselhariam: divididos, sem rumo e, como se não bastasse, sem perspectivas de que umas eventuais eleições possam contribuir para alterar substancialmente estas condições de base.
Na semana anterior perguntava-me se havia alternativa. Uma semana parece ter sido bastante para destruir os frágeis alicerces que existiam para a construir. Pior era difícil. O povo português sofre. Até quando?
P.S.: As empresas de camionagem não têm razão - muitos outros sectores tiveram aumentos das matérias-primas semelhantes aos dos combustíveis. No entanto, no caso das portagens, não seria possível baixar o preço no período nocturno, com a vantagem de retirar os camiões das estradas nos períodos de maior intensidade de tráfego? A electrónica não dá para isso?
albertocastro.jn@gmail.com