Abalo após abalo, sondagem após sondagem, o primeiro-ministro e o presidente da República têm provado ser as referências únicas de um regime crescentemente desacreditado e cujas costuras mal amanhadas vão rasgando pelos extremos ideológicos.
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Costa pode dar-se ao luxo de afrontar Marcelo e Marcelo pode fazer o mesmo com Costa sem que haja erosão no capital político de ambos. Mais parecem, por vezes, aqueles casais doentiamente felizes que forçam crises ocasionais de ciúmes apenas para apimentarem a relação.
O estudo de opinião que publicamos hoje atesta da tenacidade do primeiro-ministro, mesmo num cenário em que os parceiros de entendimento à Esquerda (PCP e BE) já não se deixam inebriar pelo perfume do galanteio socialista. Evidência que se traduz, de resto, na confiança que o chefe do Governo exala na entrevista que nos concede, ao encher o peito a propósito da aprovação do Orçamento do Estado (voltando à sondagem: 52% acreditam que passará). Porque uma crise política, sentencia Costa, seria uma "insanidade total".
Qualquer português sensato é capaz de concordar: provocar, no atual contexto, uma tempestade política, económica e social em cima dos despojos que estamos a tentar colar, não é aconselhável nem compreensível, e é por isso que o primeiro-ministro prefere eleger as variantes do coronavírus como as grandes ameaças à governação. Não o presidente da República, não os parceiros políticos da defunta geringonça. Não Rui Rio. Não o Chega. Esta será a narrativa que ouviremos ecoar nos palcos do poder durante os meses em que os milhões da "bazuca" europeia começarem a jorrar, em que as falências e o desemprego acordarem desta morna letargia. A de que a alternativa a Costa, ao PS, é o caos. Ora, não sendo isto verdade, damos por nós acorrentados num dilema: Costa faz e desfaz, Marcelo pode até franzir o sobrolho mas apoiará sempre uma solução de estabilidade, no fundo o que Costa fizer e desfizer, e não há nada, nem ninguém, neste momento pelo menos, que tenha capacidade ou astúcia para contrariar esta quadratura do círculo. Se isto diz muito do ascendente político do primeiro-ministro, diz tanto ou mais de todos aqueles que se oferecem como alternativa.
*Diretor-adjunto