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Em Portugal, as elites que decidem e as que exercem influência estão centradas em Lisboa. O chamado resto do país (expressão deveras irritante, mas profundamente significativa daquilo que somos) não se integra em processos de decisão, nem faz parte de um pensamento crítico que vai estruturando os vários campos sociais. E isso é um problema. Que tem de começar a ser resolvido, se houver uma vontade efetiva de promover uma descentralização.
Poder-se-ia considerar uma estrutura circular viciante: os principais pontos de decisão do país situam-se na capital e isso vai reproduzindo em permanência classes dominantes. Que, por sua vez, intensificam a sua capacidade de liderança. Quem vive disperso em relação a estas estruturas definidoras das diferentes áreas sociais está condenado a permanecer nas margens. É esse circuito que urge interromper. E isso não se consegue apenas com a transferência de competências para órgãos locais/regionais. É preciso deslocalizar estruturas e diversificar geograficamente os atores sociais que definem o espaço público (mediático).
Ao longo dos anos, as análises de conteúdo sobre a informação jornalística dos diferentes meios de Comunicação Social portugueses vão evidenciando uma saturação de temas e de fontes à volta de Lisboa. O país que faz e o que pensa situa-se na capital. O resto interessa pouco. Não importa muito haver universidades de referência a norte ou um turismo que rende muito dinheiro a sul. Nos média, a seleção faz-se entre os acontecimentos e os atores que estão em Lisboa. Poder-se-ia dizer que é aí que se localizam as redações centrais de quase todos os órgãos de Comunicação Social e que essa proximidade favorece uma seleção que faz entrar nos circuitos da informação quem está mais perto. Trata-se de uma forma simples de ver o problema. Porque a rede noticiosa é pensada em função dos centros de decisão existentes. Portanto, estamos aqui perante um binómio que se influencia mutuamente. E que é preciso quebrar.
Por estes dias, a agenda política discute o acordo sobre descentralização estabelecido entre o Governo e o PSD. Para conduzir esse processo, será criada uma Comissão Independente para a Descentralização encarregada de traçar linhas orientadoras de uma reforma imprescindível para neutralizar as profundas assimetrias que pesam sobre o nosso país. Todavia, não chega elaborar diplomas para a transferência de competências. É preciso ser mais ousado. Seria demasiado arriscado apostar, por exemplo, em deslocalizar certas estruturas? Não aquelas que ficam nas margens dos processos de decisão, mas aquelas que são estruturantes em determinados campos sociais. Por exemplo, um ou dois ministérios, algumas direções-gerais...
É fulcral dotar diferentes regiões do país de alguma centralidade para que se reequilibrem processos de decisão e se diversifiquem elites que, a partir dos lugares que ocupam, têm sempre um efeito multiplicador. Mas isso não é suficiente. Falta aqui introduzir uma variável decisiva: a construção de uma esfera mediática mais diversificada geograficamente. É claro que ninguém poderá impor aos média informativos uma agenda noticiosa, principalmente quando nada se faz de relevante. No entanto, se há um trabalho de inegável interesse público, é imperioso construir estratégias de comunicação para o difundir em diferentes plataformas, principalmente de natureza jornalística. E, com isso, vão sendo criadas as tais elites descentralizadas que tanta falta nos fazem.
É, pois, importante não só descentralizar competências para órgãos locais/regionais, mas também deslocalizar estruturas e, através delas, expandir as elites para fora da capital. Portugal precisa de um pensamento crítico descentralizado. Poder-se-ia argumentar que isso já existe nas diferentes universidades. Em parte, é verdade, mas também temos de reconhecer que a academia portuguesa não sabe comunicar o trabalho que desenvolve. E isso pode constituir uma importante lição para a reforma em curso. Adianta pouco descentralizar competências ou deslocalizar estruturas, se não se partilhar o que está a ser feito no espaço público mediático. No entanto, convém ter presente que a eficácia dessa comunicação resulta sempre da importância daquilo que se transmite.
PROF. ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA UMINHO