Em dezembro de 2022, a comunicação social anunciava falhas em diversos serviços de urgência do país, com tempos de espera acima das 10 horas e é sabido que este triste fenómeno não só constitui uma realidade cada vez mais presente como também se encontra em rota de agravamento progressivo.
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Olhemos para os números: dados de fevereiro de 2023 do portal do Serviço Nacional de Saúde (SNS) indicam que, dos 461 198 atendimentos em urgência hospitalar, 248 514 diziam respeito a pessoas em situação urgente, muito urgente ou emergente. Ou seja, quase metade dos episódios poderiam ter sido resolvidos a montante dos serviços de urgência, como por exemplo nos cuidados de saúde primários, estivessem estes preparados para responder às necessidades menos urgentes. Como não estão, os cidadãos acabam por recorrer às urgências porque a porta aberta do hospital é a única alternativa disponível.
Perante esta pressão os médicos e todos os outros profissionais de saúde trabalham diariamente nos limites das suas possibilidades encurtando pausas de descanso, aumentando desmesuradamente horas de trabalho extraordinário e ainda por cima gerindo escassez de meios e labutando com recursos técnicos não raramente deficientes, obsoletos e ou mesmo inoperantes.
Neste contexto, assistimos a um serviço cada vez menos capaz de resolver satisfatoriamente as necessidades nesta área vital e estratégica para a saúde dos cidadãos e, portanto, tornou-se urgente repensar os serviços de urgência dos hospitais portugueses.
É urgente descobrir uma forma de conseguir que um doente urgente não tenha de esperar horas para ser observado por um médico.
É urgente respeitar os doentes em tratamento naqueles serviços acabando definitivamente com camas nos corredores ou acumuladas em salas, lado a lado, desafiando todas as regras da salubridade e da dignidade humana.
A solução para pôr fim a este caos que se vive em muitos serviços de urgência passa pela aposta nos cuidados de saúde primários, que são os verdadeiros cuidados de proximidade. Governo e Ministério da Saúde mostram-se atentos e parecem ter identificado o problema e a solução. Mas tardam em fazer acontecer,
Dados recentes evidenciam que poderão existir cerca de 1,6 milhões de pessoas em Portugal sem médico de família. É preciso ação.
Se houver uma boa organização e capacidade de resposta dos cuidados de saúde primários, estes passam a funcionar como a principal porta de entrada dos cidadãos no sistema de saúde, evitando a sobrelotação das urgências hospitalares, essenciais para resolver os casos realmente urgentes.
Mas também o modo de funcionamento dos serviços de urgência, antiquado e arcaico, necessita de uma mudança que decididamente assegure uma interação eficiente e eficaz entre especialidades.
Há anos que ouvimos afirmar que o doente tem de estar no centro do sistema. O Governo dá sinais de estar atento, mas a verdade é que é preciso fazer acontecer e é tempo de passar das palavras à ação. Estamos perante a oportunidade de o fazer definitivamente. Haja vontade. Porque é urgente agir.
*Médico