A devolução do património cultural a África por parte de alguns países europeus, outrora colonizadores, é um tema sensível, mas que tem progredido em algumas geografias. Em França, depois de dois relatórios concluídos sobre o assunto, avança-se para a preparação de uma lei-quadro que fixe os termos do regresso de um conjunto de bens culturais a território africano.
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Ao longo dos anos, vários políticos fizeram sucessivos, e musculados, apelos para que se devolvesse aquilo que foi levado, de forma ilícita, de África. Em outubro de 1973, o presidente do Zaire, Mobutu Sese Seko, denunciava, na Assembleia-Geral das Nações Unidas, a pilhagem selvagem e sistemática de obras artísticas africanas no período colonial, dizendo que o continente era pobre não só a nível económico, mas também cultural e, nesse contexto, várias potências ricas que por ali passaram não poderiam ser isentas de culpa. O tópico não é fácil de ser discutido. Em Portugal, o ministro da Cultura já alertou para a importância de não se alimentar uma guerra cultural artificial, nem tão-pouco criar debates polarizados. Em França, também se procurou evitar isso, embora Emmanuel Macron tenha feito declarações vigorosas sobre o tema já em 2017. Nessa altura, dirigindo-se a um público de 800 estudantes da Universidade de Uagadugu, em Burkina Faso, fixou os termos em que pretendia desenvolver as relações com o continente africano: "o património africano deve ser valorizado em Paris, mas também em Dakar, Lagos, Cotonu. Tornar isso possível será uma das minhas prioridades".
Entretanto, o presidente francês não esteve parado, pedindo a especialistas da área do património o envolvimento em relatórios que fizessem o diagnóstico da situação e sugerissem recomendações. Ontem a revista L"OBS antecipava os princípios preconizados no trabalho de Jean-Luc Matinez, ex-diretor do Museu do Louvre. À cabeça, surge a advertência para não limitar o perímetro geográfico das restituições aos territórios administrados antigamente pela França, mas estender essa área a todo o continente. Também se aconselha a fixação de critérios de restituição e criação de uma comissão bilateral composta por especialistas encarregados de analisar e responder a cada pedido. Para neutralizar tensões, avança-se também a instituição de um estatuto de património partilhado para algumas peças. E, pensando que este tema tem um alcance maior, avança-se a possibilidade de "europeizar" este processo, adotando critérios comuns em vários países. Se tudo isto for concretizado, o avanço é gigantesco e pode ajudar outras nações a evoluir no processo de decisão política.
Prof. associada com agregação da UMinho