Tenho a muito dececionante mania de confiar nas instituições primeiro, embora seja grande adepto do reclamar depois.
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Não suporto que marquem e não cumpram a hora para uma consulta no hospital, mas eu chego sempre na altura devida, confiante. Como sempre, tudo se atrasa, eu desiludo-me e sou sempre o único a queixar-me, na receção e no consultório, da falta de respeito pelo meu tempo.
Os portugueses são o oposto de mim: nunca confiam, mas também nunca protestam - ou protestam onde o senhor doutor não os pode ouvir, não vá ele não receitar os comprimidos ou não passar o atestado. É uma receita que vale para tudo, a de nunca fiar, sempre calar e só reclamar depois, um estado de desconfiamento manso aproveitado pelos políticos hábeis. As grandes e pequenas espertices jogam-se nesse espaço entre a modorra e a cabeça baixa, entre a raiva preguiçosa e o medo das consequências. A pandemia carregou ainda mais neste traço da personalidade nacional. Não falta quem reclame de tudo, mas não se nota por aí grande vontade de mudança. Mas o dia em que as duas coisas se vão juntar já esteve mais longe. E o vendaval só vai surpreender os incautos.
*Jornalista