Convencer as pessoas a ficar em casa não terá sido o mais complexo deste tempo tão estranho. O maior desafio será proceder a um desconfinamento controlado. Há já países à nossa frente nessa experiência e os testemunhos convergem todos para um medo generalizado e para uma desconfiança permanente. O Mundo mudou (muito). Nós também.
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A jornalista Zhongguo Xinwen Zhoukan, da revista "China Newsweek", foi enviada no início do mês a Wuhan, que é também sua terra natal, para fazer uma reportagem sobre o modo como os seus conterrâneos estavam a retomar o quotidiano. Tudo lhe pareceu estranho: as ruas abandonadas pelas pessoas, o silêncio da cidade à medida que a noite caía, a obrigação de medir a temperatura para entrar em lugares públicos ou em estabelecimentos comerciais, as pessoas que preferiam viajar de pé dentro do metro... Zhoukan reteve várias frases periféricas à conversa, mas que adquiram na sua peça uma enorme centralidade: o CEO de uma empresa garantiu-lhe que a sala onde estavam tinha sido desinfetada há pouco tempo; um outro entrevistado confessou-lhe que a tosse era uma irritação pontual da garganta e que tinha feito um teste à Covid-19 no dia anterior... Por estes dias, abateu-se sobre Wuhan uma colossal ansiedade que foi contagiando outros pontos do globo...
Na Dinamarca, o regresso à normalidade é pesado, como relatam vários trabalhos jornalísticos. Um dos locais onde mais se evidencia a preocupação dos cidadãos são as creches e as escolas. As regras acumulam-se: os pais estão proibidos de acompanhar os filhos, as crianças devem lavar bem as mãos à entrada, auxiliares e professores devem garantir que os espaços estão higienizados... Ninguém parece muito tranquilo. Na Áustria, vive-se a mesma inquietação. Numa reportagem publicada a 15 de abril no jornal "Die Presse", fala-se do policiamento que os habitantes de Viena fazem a quem com eles viaja nos transportes públicos. Todos são obrigados a usar máscara, mas há quem fure essa obrigação, devido ao preço do material de proteção. Nestes casos, a reprovação faz-se em decibéis descontrolados. O medo anda à flor da pele e transborda mesmo em povos tradicionalmente mais contidos.
Em Portugal, teremos mais algumas semanas até sair de casa. O primeiro-ministro já disse que não adianta abrir cafés ou restaurantes, se não houver confiança para os frequentar. Eis uma tarefa gigantesca: fazer com que os portugueses sintam que estão em segurança. Isso não se consegue apenas com palavras, mas, acima de tudo, com medidas de proteção. Eficazes e para todos.
*Prof. Associada com Agregação da UMinho