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O debate sobre o descongelamento das carreiras dos professores suscita duas questões.
A primeira é de ética política. Alguns políticos transformaram a política numa arte. A arte de converter os nossos desejos em promessas deles e o não cumprimento dessas promessas em alterações das circunstâncias. Eis a arte do nosso primeiro-ministro. Prometeu aos professores a contagem da totalidade do seu tempo de serviço mas veio agora dizer que não há dinheiro. O problema é que andou o tempo todo a dizer que havia dinheiro. Disse até, que quanto mais dinheiro se distribuísse mais haveria (era a austeridade que era responsável pela falta de dinheiro e não o contrário, lembram-se?). Se o Governo não esconde um agravamento da situação financeira, então mentiu ou decidiu faltar à palavra dada. Nada de novo numa forma de fazer política onde a estratégia predomina sobre os princípios. Quando foi politicamente útil prometer o impossível aos professores, a palavra foi dada. Quando já não se teme (e, se calhar, até se agradece) uma crise politica, a palavra é retirada.
Com tudo isto mal discutimos o que deveria e poderia ser realmente prometido. Temos de valorizar a carreira de professor. Não há variável mais importante no sucesso de um povo do que a educação. E na educação, não há nada mais importante que os professores. É possível ter uma boa educação tendo más escolas e bons professores, o contrário não. Os nossos professores não estão, comparativamente, entre os mais mal pagos da Europa. Isso não significa que sejam bem pagos, atendendo à sua importância para a sociedade. Dito isto, numa sociedade com recursos escassos (como finalmente reconheceu o PM) temos de fazer escolhas. Será preferível, por exemplo, ter mais professores, e turmas mais pequenas, ou menos professores, mas mais bem pagos e com mais qualidade?
Fundamental era também debater a relação entre mérito e antiguidade na carreira dos professores e na nossa organização do trabalho em geral. Atualmente, favorecemos a antiguidade: é o que mais determina as promoções na carreira. A antiguidade recompensa aspetos importantes como a experiência e a estabilidade. Mas também tem problemas. Vários estudos demonstram, por exemplo, o impacto discriminatório em certos grupos sociais. É o caso das mulheres, quer porque têm usualmente carreiras mais curtas, quer porque um sistema que favorece a antiguidade tende a manter as diferenças salariais e o status quo discriminatório no mercado de trabalho. Para além disso, a ausência de incentivo ao mérito é um dos principais problemas da nossa sociedade que a preferência dada à antiguidade, em vez do mérito, agrava. Eis o debate que deveríamos estar a fazer e não estamos.
PROFESSOR UNIVERSITÁRIO