Eu tinha vinte e pouco anos quando li a tese de Dagoberto Markl sobre os painéis de S. Vicente, a qual me ouso a resumir: aquele que vemos como o Infante D. Henrique é, na verdade, D. Duarte.
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Lembrei-me deste enorme equívoco histórico enquanto assistia ao "Frozen II" com os meus filhos. Ali acontece uma coisa extraordinária (spoiler!): a Elsa descobre que o seu avô, de quem tanto gosta, afinal, foi desleal. Um traidor! O mau da fita. Inédito, não é?
Ela tem de fazer justiça, por doloroso que seja, e corrigir os actos do avô para salvar o futuro.
É inegável que estes filmes são consolidantes dos nossos paradigmas sociais. A Disney e a Pixar têm tido esse papel, conscientemente. Acabam por fazer mais pela mudança de paradigmas do que nós, que vivemos deste lado do ecrã.
O que raio interessa então a iconografia do Infante D. Henrique?
Consta que um historiador muito importante na nossa praça comentou "Oh, Dagoberto, você até tem razão, mas para quê mexer nisso agora?!" Solução assaz frequente, não mexer.
Não interfere comigo a imagem do Infante D. Henrique, tanto como interfere a vontade de a não corrigir.
O Infante D. Henrique tem sido visto como um homem dócil, olhar ternurento, ar sensato, sapiente. Tudo aquilo que, provavelmente, não foi. Ele, que terá trocado o próprio irmão por Ceuta, estará lá, nos mesmos painéis, mas representado ajoelhado junto dos cavaleiros.
Lamento dizer isto, mas é a verdade: custa-nos muito olhar os nossos antepassados com a frieza dos factos. A História também é marketing e nós não queremos ser os maus da fita, parece que não aguentamos a verdade e romanceamos tudo numa história bonita. Para quê? É que já nem nos filmes da Disney!
O autor escreve segundo a antiga ortografia
Márcia