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Fazem parte do discurso do atual Governo duas ideias fortes. Ambas parecem colher, à primeira vista, um acordo fácil da generalidade dos cidadãos. Trata-se de assumir que o Mundo que nos rodeia é muito instável e que por isso é muito difícil formular políticas de sucesso garantido. E, por outro lado, que é impossível proceder a reformas estruturantes na administração pública porque, como não podemos despedir ninguém, nem o Tribunal Constitucional nos deixa mexer nos salários, fica tudo na mesma. Mais vale portanto não ensaiar cenários nem desenhar mudanças.
É verdade que a instabilidade que um mundo globalizado e interdependente provoca nos impede uma visão límpida a 50 anos. Mas é igualmente verdade que penso não ser possível registar, agora ou historicamente, qualquer vontade nesse sentido.
Mais me parece que se trata de uma genuína distorção na perspetiva da análise ou então de uma disfarçada desculpa para nada ou pouco fazer.
Sim! Não sabemos como vai evoluir o conflito na Ucrânia e que danos energéticos trará a uma Europa gasodependente, não sabíamos que ia começar, nem sabemos como vai acabar o caso Espírito Santo e que impacto terá nas nossas condições de financiamento externo por via da deterioração da nossa imagem internacional e não teremos grande ideia de como irá evoluir o aprofundamento da integração de uma Europa fragilizada por uma evidente falta de competitividade estrutural.
A este nível é verdade que muito pouco podemos fazer isoladamente para definir caminhos. Mas esta característica de um Estado cliente e sem um desígnio estratégico assumido (vide entrevista do professor Adriano Moreira ao Jornal "i" de 27 de julho) tem pelo menos a vantagem de nos podermos concentrar a arrumar a casa.
Ou seja, não precisamos de nenhuma bola de cristal nem sequer de um lugar de topo nas instituições europeias ou atlânticas para perceber que só temos a ganhar se nos dedicarmos, designadamente:
a ajustar o Estado social à nossa capacidade competitiva com números e sem discursos moralistas; a pensar e implementar políticas de apoio ao povoamento; a desburocratizar a relação economia-Estado; a garantir que a escola não compete com a formação profissional qualificada; a valorizar o espaço industrial e a respetiva gestão; a racionalizar o investimento público e não tratar apenas da economia de equipamentos; a garantir um planeamento concertado entre os setores e os territórios.
Muito pouco destes objetivos depende das grandes variáveis externas que condicionam a nossa vida coletiva. E todos foram já diagnosticados centenas de vezes. O que é preciso para fazer? Que o primeiro-ministro e a ministra das Finanças se preocupem especialmente com as nossas variáveis macroeconómicas é compreensível e talvez recomendável. Mas que os restantes ministros e secretários de Estado não se dediquem disciplinadamente a estas metas intermédias é, a meu parecer, incompreensível e insustentável. Estes, no presente, como outros no passado.
Todas estas questões se ligam, entretanto, com a famigerada reforma da Administração do Estado. Não valerá a pena pensá-la porque não nos é permitido diminuir a despesa.
Ora tal raciocínio enferma, pelo menos, de dois problemas. Por um lado, não considera os ganhos de produtividade gerados por maior eficiência e por outro assume que apenas se reforma porque não temos dinheiro para manter o status quo.
Ambas as premissas estão erradas. Deve reformar-se porque manifestamente se pode fazer melhor e ganha-se porque, ainda que a despesa se mantenha, seremos capazes de produzir mais.
É exemplo simples o funcionamento da generalidade da administração desconcentrada do Estado que poderia melhorar em muito o seu desempenho se fosse chamada a dar o seu contributo ao nível do planeamento prospetivo dos territórios em que se inscrevem.
Ao contrário, funcionam como meros postos de correio para despacho superior de tudo o que lhes chega. Nada sabem sobre os diagnósticos feitos centralmente nem das escolhas estratégicas que fundamentam.
O que por estes dias vai salvar a Entidade Regional de Turismo quando tiver de explicar que não tem dinheiro para apoiar o Rally de Portugal logo no ano em que ia realizar-se no Norte!