Há duas semanas, relatei, aqui, a situação com que se confrontavam alguns empresários do sector do calçado, incapazes de aumentar a sua produção por falta de quem quisesse trabalhar nas condições (salário, horário, tipo de contrato) que ofereciam.
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A prosa em questão mereceu alguns comentários de quem faz o favor de me ler. Mostrando não ser, aquele, caso único. Contando histórias de quem faz tudo para ser rejeitado, de modo a poder voltar ao subsídio de desemprego. Acrescentando sugestões, por exemplo, para evitar que quem aceite trabalho a prazo, e não veja o contrato renovado, seja prejudicado relativamente à situação que teria se não tivesse aceitado o emprego. Ou apoiando a ideia de o subsídio de desemprego poder ser compatível, em certas condições, com trabalho sazonal ou a tempo parcial. Boas sugestões. Algumas delas, dizem-me outros, já previstas na legislação - evidência da difícil leitura da lei.
As críticas, porém, foram em maior número. Uma delas diz o óbvio: paguem melhor. É a simples aplicação da lei da oferta e da procura: se pagarem mais, haverá mais quem esteja disposto a trabalhar. O tema é mais complicado do que o que parece. Em causa, no caso concreto, estavam pessoas que arranjavam pretextos para não aceitar o emprego, preferindo continuar a beneficiar do subsídio de desemprego. Como disse, na altura, percebo o racional económico (daí as sugestões), mas não tem sustentação moral.
Levando o argumento mais longe, houve quem dissesse que o problema é continuarmos a ter empregos destes. Uns defendem que o problema se resolveria com o aumento do salário mínimo, outros que a culpa é dos empresários que temos. A isto chama-se confundir desejos com realidade. Se a coisa fosse assim tão simples, por que não aumentar os salários para o dobro ou o triplo? E, mais estranho ainda, qual a razão para que nem mesmo Hugo Chávez se tenha lembrado da solução!
Atrevo-me a dizer que o problema não são estes empresários. São, sobretudo, os outros. Ou melhor, não haver muitos "outros". Estes fazem o que sabem e fazem--no bem: empregam muita gente, contribuem como poucos para a balança comercial.
Uma análise retrospectiva talvez demonstre que as políticas e incentivos foram demasiado conservadores e complacentes. Aqui chegados, podemos, e devemos, procurar ser mais ambiciosos e rigorosos. Mas não podemos ignorar a realidade. Nem dos empresários, nem dos trabalhadores. Se o problema estivesse apenas do lado dos empresários, qual a razão para não atrairmos mais investimento estrangeiro? Apenas a burocracia e a carga fiscal? Nos grandes investimentos, se os houvesse, daríamos as mesmas ou melhores condições que outros países. Uma olhadela às estatísticas da educação para pessoas com mais de 40 anos, em especial em comparação com outros países europeus com os quais concorremos, arrepia. Se fizermos o mesmo exercício para os desempregados, ficamos gelados. De uma vez por todas, continuar a confundir desejos com a realidade dá para fazer discursos bonitos, mas não ajuda nada a resolver os problemas.