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Há doze mil anos, o último lobo-terrível passou o dia a ver as fotografias dos familiares, sentou-se para almoçar e morreu antes da sobremesa. Não deixou filhos nem mulher nem uma única carta de amor. Era o parente mais próximo do actual lobo-cinzento, mas, cinco milhões de anos antes, as espécies tinham irremediavelmente divergido: como se sabe, podemos manter divergências milenares por causa de meia dúzia de diferenças no código genético.
Doze mil anos depois, passaram-se coisas extraordinárias. Um cientista, um escritor e um director de marketing encontraram-se num laboratório. Parece o início de uma anedota. Não sei se fizeram vudu ou se aquilo foi ciência, mas a punchline é que ressuscitaram o lobo-terrível, mais conhecido na cultura popular como dire-wolf (Aenocyon dirus).
Nos vídeos agora divulgados, golpe de mestre do director de marketing, vemos o resultado da edição genética levada a cabo pela empresa Colossos Bioengineering: Rómulo e Remo, duas crias que os cientistas dizem tratar-se de dire-wolves, a espécie icónica que figura na Guerra dos Tronos, de George R.R. Martin, escritor que encabeça o conselho cultural da empresa. E explicam que editaram vinte características do ADN de um lobo-cinzento, substituindo-as pelas que, a partir de fósseis, supõem ter existido unicamente no lobo-terrível; depois, implantaram as células alteradas numa cadela e fizeram-na parir. É mesmo ciência, mas também é mesmo vudu.
A empresa afirma que ressuscitar o lobo-terrível se justifica eticamente porque, em 2050, metade das espécies hoje vivas se terá extinguido. Ou isto é um atroz pessimismo, metade da biodiversidade desaparecer dentro de 25 anos, ou o director de marketing escreveu o guião. Tanto mais que as próximas desvítimas a desextinguir serão o lobo-da-tasmânia, o dodô e o mamute.
Dizem os cépticos que a empresa produziu seres ficcionais: o ADN foi modificado para corresponder à aparência que se supõe ser a do lobo-terrível, invertendo-se assim o método científico. Disto resultaram dois adoráveis monstros de Frankenstein que uivam, mamam e são fotogénicos. E que certamente salvaram a empresa da extinção.
Mas parece que o principal prejudicado não foi o lobo. Os fãs de George R.R. Martin, sempre ressentidos, acusaram-no de fazer tudo, menos escrever o derradeiro livro da Guerra dos Tronos. A solução parece-me simples e óbvia: daqui a doze mil anos, desextinguimos o escritor, retirando-lhe geneticamente as sequências de ADN que o impedem de escrever. Aposto que teremos novo livro em dois tempos.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia