Desistir nem sempre é sinónimo de derrota. As circunstâncias, muitas vezes, abrem espaço à ponderação e ao ajustamento das convicções. Uma postura cata-vento é criticável; já um recuo pode ser virtuoso, na antítese aos defeitos da teimosia cega - mesmo quando precisa de alertas.
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Eis a bondade fresca de uma desistência: o PSD, ajudado pela discordância do parceiro de coligação governamental, o CDS, acaba de meter na gaveta um projeto de revisão da lei eleitoral autárquica.
As consequências de um avanço seriam, de facto, nefastas.
Os problemas são bem mais substanciais do que os reportados à pura matemática e ao esmagamento dos partidos mais pequenos pelos de maior apoio popular, ao suportar-se o projeto numa linha orientadora cuja substância essencial apontava para a constituição de executivos monocolores. O argumento da facilitação da governação do Poder Local, entregando-se toda a responsabilidade ao partido vencedor das eleições, era de risco elevado. Colocava em xeque o (salutar) jogo democrático, sobretudo ao preconizar-se a substituição da ação fiscalizadora dos vereadores oposicionistas eleitos pela dos membros das assembleias municipais. E este é um ponto decisivo.
É cada vez mais exigível o escrutínio apertado dos atos de gestão da coisa pública, sejam eles do patamar da governação nacional ou da mais simplória das juntas de freguesia.
A transferência da fiscalização do patamar executivo para o das assembleias pioraria o controlo da já de si controversa gestão de muitos autarcas. A vivência diária e a obtenção de informação junto dos gabinetes nos quais se tomam decisões é diametralmente diferente da peticionada e colocada à disposição de tempos a tempos. E fica-se ainda mais conversado sobre a matéria se se considerar ainda o lado mais voluntarioso dos "parlamentares", sobretudo em pequenas localidades.
Na atual fase do país - e quando se entrou já na contagem decrescente para definir as eleições autárquicas do outono do próximo ano - são entendíveis algumas chicanas políticas e a tentativa da Oposição para obter dividendos de frinchas de desentendimento, mais ou menos artificial, nos partidos da coligação governamental. Faz parte do jogo político. Não reconhecer o lado positivo do recuo do PSD e a concomitante salvaguarda do atual modelo autárquico já é mais difícil de perceber.