Lampedusa. Imigração. Frente Nacional. Fragmentação. Fim? Os sucessivos naufrágios no Mediterrâneo, se mostram que o espaço da União Europeia ainda continua a ser visto como um refúgio para muitos habitantes do Norte de África, mostram, também, cruamente, a degradação operacional e moral das instituições e pessoas que comandam o espaço político em que nos inserimos. Enquanto isso, vamos tendo eco do crescente sentimento anti-imigrante que se manifesta no aumento da popularidade dos partidos de extrema-direita desde a Frente Nacional, na França, e a Aurora Dourada, na Grécia, sem esquecer o peso de partidos xenófobos na Bélgica ou na Holanda. Do fim-de-semana vem a notícia da vitória da FN numa eleição local, numa região em que antes o PC tinha forte implantação. Se há quem veja nessa oscilação do eleitorado um reflexo da proximidade de ideologias extremistas, a razão talvez seja mais prosaica: trata-se, sobretudo, de um voto de protesto perante a manifesta incapacidade dos partidos do poder darem resposta aos problemas económicos, com a chaga do desemprego à cabeça. Que, no Governo francês, o ministro mais popular tenha um discurso sobre a imigração que o aproxima de Le Pen, é sintomático do rumo que as coisas podem tomar quando o oportunismo se torna na maneira de fazer política.
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O problema está nos outros. São os outros. Nós e os outros. Um processo perigoso que se sabe onde começa mas não como acaba. Fecha--se primeiro, exclui-se depois. Começa-se pelos "outros" e acaba-se, viciado, a considerar "outros" todos os que não são "como se deve ser", o humanismo europeu transformado numa miragem.
Quando à incompetência e oportunismo políticos se junta a arrogância a mistura é explosiva. A fragmentação, que começou por ser financeira, ameaça institucionalizar--se na União Europeia, com os chamados países periféricos a aproximarem-se, perigosamente, do estatuto de "outros". Se erros próprios e má fortuna nos tinham atirado para a beira do abismo, a última coisa de que precisávamos era que nos dissessem que a alternativa é saltar.
Fragmentar é excluir do acesso a condições de financiamento, semelhantes às dos países centrais, as empresas e instituições dos países periféricos tendo como critério a sua origem. É impor aos bancos desses países condições ainda mais penalizadoras do que as que já decorrem da sua localização. É impedir a recuperação e o crescimento. É aprofundar a diferença. Como se não bastasse ter de pagar, com impostos e austeridade, os custos de um Estado excessivo, fecham-se as vias que permitiam alguma esperança. Fragiliza-se o tecido produtivo e financeiro, exacerbam-se os problemas sociais.
Quando as coisas são assim, só admira que o extremismo não tenha entre nós, ao contrário da Grécia, mais expressão social (que não mediática). As pessoas têm sido sensatas (até quando?) discernindo que, por detrás dos cenários idílicos dos "amanhãs que cantam" há alternativas com um custo que nunca se explicita. E é isso que falta no debate político interno: colocar todas as alternativas na mesa, ponderando os respectivos benefícios e custos e como os mesmos podem ser partilhados, hoje e no tempo, quiçá entre gerações. Pensar para além do imediato, estabelecendo metas e compromissos, sacrifícios e condições para a sua cessação. Um pacto que dê visibilidade e viabilidade ao futuro. O contrário do que está a suceder em que, à incompetência e navegação à vista do Governo, se responde com o oportunismo mais demagógico. O histerismo em torno das pensões de sobrevivência é lapidar. Qualquer pessoa de boa-fé percebeu que o impacto seria diminuto. A ideia, essa, é discutível. Era isso que deveria ser objecto de debate: se nas pensões contributivas os descontos feitos não chegam para pagar todos os compromissos assumidos, e não chegam, alguém vai pagar seja pelo aumento de impostos ou pela redução da despesa. Tão simples como isso. É uma opção, com prós e contras. Discutam--se as alternativas. Com seriedade. Somar questiúnculas avulsas aos problemas que o contexto já nos cria é, não direi masoquismo, mas certamente escusado.