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Em comparação com a Grécia e a Espanha, a forte coesão nacional é considerada um dos nossos principais trunfos para enfrentar a actual crise. Politicamente, o acordo tripartidário com a troika criou um apoio ao programa que lhe dá credibilidade, simplificando a sua execução. Socialmente, há a percepção de que não existe alternativa espelhada no fracasso da recente greve geral. Como em qualquer jogo, ter trunfos é melhor do que os não ter. Para se ganhar é, porém, preciso saber como e quando os usar e não os desbaratar. O Governo parece ainda não o ter percebido.
Há vários modos de ser arrogante. Sócrates foi um caso extremo. Consegue-se, porém, ser tão ou mais arrogante falando mansa ou lentamente. As consequências podem ser perigosas. A Grécia é, também a este propósito, uma lição. Quando os socialistas gregos ganharam as últimas eleições, encontraram um país numa situação que era bem pior do que aquela que, por cá, PSD e CDS herdaram, sobretudo na discrepância entre números comunicados às entidades europeias e os verdadeiros. Depois, o PASOK cometeu erros, não tendo, segundo a troika, ido tão longe quanto devia nas reformas estruturais e na aplicação das medidas de austeridade. Mesmo assim, a Grécia está a ferro e fogo! A fazer fé nas sondagens, as eleições serão ganhas por aqueles que, há quatro anos, deixaram o país à beira do caos. Admito que, por cá, este facto não deixe alguns membros do aparelho socialista indiferentes e que, entre eles, comece a fazer caminho a ideia de que a evolução grega poderá ser replicada, trocando as cores. Com o tempo, é provável que as suas fileiras engrossem. Se vierem a tornar-se dominantes, o PS renegará o que assinou, invocando argumentos que o Executivo lhes terá dado, o que, ao ritmo que tem vindo a cometer gafes, não será difícil. Politicamente a estratégia será proveitosa, não obstante as consequências económicas serem desastrosas. Mesmo um governo a quem os eleitores conferiram legitimidade para escolher um caminho próprio tem de saber resistir à tentação de dar como adquirida a neutralidade socialista. Se o Governo não for capaz de limitar o sectarismo da sua pretensa omnisciência, mais cedo do que tarde perderemos um dos nossos trunfos mais importantes.
A tentação do PS para seguir esse caminho aumentará com a erosão social decorrente das medidas de austeridade e dos erros cometidos na sua concretização. Pelo seu papel de garante de direitos mínimos, o sistema de segurança social é uma área nevrálgica para a coesão nacional, exigindo-se que seja gerida com rigor e transparência. A forma como os pedidos de reforma antecipada foram congelados não é a mais adequada mas, face ao propósito maior de não hipotecar a sustentabilidade do sistema, não era fácil proceder de outro modo. Se o modelo assentasse na lógica de desconto para si próprio, um pilar neoliberal estranhamente invocado pela Esquerda, as pensões já há muito tempo seriam bastante mais baixas, em especial as antecipadas. No nosso sistema, há um contrato social implícito que nos dará direito a uma reforma, embora os nossos descontos sirvam, numa lógica de solidariedade, sobretudo, para financiar os actuais reformados. A confusão é grande, o que facilita a demagogia e se ultrapassa com informação e esclarecimento, sem estigmatizar seja quem for. Nas antípodas do que o Governo fez a propósito dos beneficiários do RSI, objecto de uma suspeição generalizada, primária e infame, que permite um simétrico com base no qual todos os ricos são desonestos, ressuscitando uma luta de classes que se julgava morta e enterrada. A coesão nacional ainda é um trunfo. Ao ritmo que o PSD e o CDS estão a destrunfar, não durará muito. Só que neste jogo, ninguém ficará a ganhar.
P.S. Mário Soares foi apanhado a 199 km por hora. Ninguém estranhou que um episódio privado tenha chegado à Comunicação Social. Investigou-se a violência policial nos incidentes do Chiado, mas considera-se normal que haja "bufos" nessa corporação. Assim vamos nós......
