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Como sempre ouvi dizer que os detalhes são o mais importante, ando pela cidade, à procura deles nos pormenores da arquitetura, nos elementos materiais, nos escritos das paredes. Não os dos grafiteiros de meia tigela, borradores do asseio das ruas, mas os que expressam ideias inteligentes, poéticas e, muitas vezes, repletas de sabedoria que, embora anónima, veicula um pensamento cultural e social profundamente assimilado. Do que encontrei, ao alcance do olhar, eis algumas verdadeiras pérolas e da primeira lembro-me perfeitamente de a ver escrita num portão em Gondarém: "A vida é a tua maior refeição. Não faças dieta, nem sejas guloso". (Admirável!) E outra: "Há muita hora, nesta calma". No Mota Galiza, escreveram: "O amor não existe, é uma fantasia". Manancial de filosofia prática é o muro do miradouro da Igreja da Serra do Pilar, onde avultam declarações de amor de fazerem inveja a muitos escrevinhadores (como eu): "E sempre serás o fim e o início da minha vida", ou então: "Somos um golpe de sorte. Não a largues!", e ainda: "Que seja sempre assim. Tu és a minha certeza. Como as estrelas e a lua, não vivemos um sem o outro". (Absolutamente sublime!) E mais sabedoria: "A realidade é do tamanho dos nossos sonhos". Ou esta melancólica confissão: "Sinto que a espontaneidade está a deixar de existir na minha vida! E tudo tem sido pré-definido". E até encontrei, na Rua das Flores, esta preposição soberba: "Não sou esquisito, gosto de todo o tipo de mulheres bonitas". É por estas e outras que um amigo espanhol dizia que gostava de vir ao Porto para ver uma cidade culta.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia