Por vezes, a minha fé na sanidade geral dos agentes políticos vacila. E, nos últimos dias, tive outra crise grave, causada por um embrião de projeto de lei que pretendeu alterar a legislação sobre cobertura jornalística em períodos eleitorais. Descansem, o bicho já morreu.
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Goste-se ou não, nas campanhas eleitorais a Constituição obriga a garantir a igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas (art. 113.º, n.º 3, al. b)), o que às vezes é difícil porque algumas candidaturas... enfim! Depois, ainda, nas democracias maduras, as obrigações de pluralismo na representação das candidaturas pressupõem uma restrição implícita à autonomia editorial. E não aceito, como cidadão, que seja um órgão de Comunicação Social a decidir quem vai (ou não vai) ser PR, PM ou até presidente de Câmara. Finalmente - veja-se a eleição de Rui Moreira na cidade do Porto -, a influência da Comunicação Social é hoje muitíssimo menor, porque já não manda sozinha no espaço público.
Apesar de tudo isto, a proposta borratada para resolver este "problema" de harmonização de liberdades foi tão alucinada que, mais do que suscitar real preocupação com sistemas equivalentes a um controlo prévio, suscitou real preocupação com a saúde dos proponentes (deu-lhes um vaipe?).
Em traços larguíssimos, o mostrengo era assim.
Antes de cada campanha eleitoral, os órgãos de Comunicação Social teriam que, veneradamente, apresentar o seu plano de cobertura a uma comissão. E os ilustres comissários avaliariam, e diriam sim, ou diriam não. No caso de não entrega do plano, coima que poderia atingir uma fortuna.
Pelo caminho, esqueciam-se, pelo menos, duas coisas sem importância. A primeira é a de que, em democracia, isto não é possível. A segunda é a de que ter uma comissão a sopesar a bondade dos planos jornalísticos de cobertura eleitoral dos órgãos de Comunicação Social daria vontade de chorar se antes não desencadeasse uma irresistível vontade de rir.
Mas, agora que a tolice foi arredada de vez, qual é a outra consequência negativa? Muito simplesmente, nos próximos tempos ninguém se atreverá a atualizar a legislação sobre o tópico, caduca e com decisões judiciais que bradam aos céus pelo irrealismo sem alcançarem que já estamos no século XXI há algum tempo.