Quando, há dez anos, o Governo Guterres anunciou que iria negociar a concessão do Terminal XXI de Sines com a Autoridade Portuária de Singapura, muitas vozes se ergueram contra o negócio.
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Em Setembro de 2001, a Associação Comercial do Porto enviou uma posição pública a todos os órgãos de soberania, em que comparava as condições de adjudicação desse terminal de contentores com os de Lisboa, Leixões e Setúbal, concessionados através de concursos públicos internacionais, demonstrando que o concessionário de Sines iria beneficiar de condições de tal forma vantajosas que o interesse público sairia prejudicado; que a repartição do investimento previsto penalizava a concedente, o Estado, e desonerava o concessionário, e apelava a uma auditoria independente prévia à assinatura do contrato. Os presidentes das Comunidades Portuárias de Lisboa e Leixões foram ouvidos pela Comissão de Transportes da Assembleia da República que elaborou um relatório com uma série de recomendações que o Governo ignorou, a pretexto de que o negócio faria de Sines a "Singapura da Europa".
Chegada a hora de fazer contas, no Relatório de auditoria apresentado pelo Tribunal de Contas em Outubro de 2010, pode ler-se, sobre o ajuste directo então feito, e entre outras conclusões arrasadoras, o seguinte: "Este contrato de concessão encerra (...) fragilidades cuja existência foi facilitada pelo contexto de formação do próprio contrato, onde foi evidente a desvantagem do concedente público, na medida em que a celebração daquele contrato não foi precedida de um procedimento competitivo. De facto, ocorreu um processo de negociação em exclusivo com uma entidade, para o qual apenas existem evidências de propostas estruturadas do parceiro privado e relativamente ao qual o concedente veio, mais tarde, a assumir a existência de uma importante assimetria de informação. Em suma, este contrato veio a ser atribuído por ajuste directo, ao arrepio, diga-se, do pretendido inicialmente com o processo de consulta ao mercado." Quanto à repartição do investimento, lê-se que o contrato prevê "a ausência de garantias de receita mínima para a concessionária a suportar pelo concedente" e "a flexibilidade que permite a adaptação dos investimentos às condições de mercado, evitando, assim, a antecipação de investimentos, porventura até desnecessários, com todos os inerentes custos, incluindo os financeiros, para as partes. No entanto, a flexibilidade referida tem beneficiado, essencialmente, a concessionária, uma vez que o concedente entendeu logo de início realizar uma extensão de molhe, que foi justificada, superior ao que estava previsto para uma segunda fase de investimentos. Até ao final de 2009, a APS havia investido 1 euro por cada 1,2 euros investidos pela concessionária".
Entretanto, Sines não se transformou em Singapura e o Terminal XXI não se especializou em "transhipment". É um pequeno terminal, sem impacto nas exportações, com um único cliente, que sobrevive por ter condições de preço bonificadas pelo Estado. Em sete anos, o Estado recebeu menos de meio milhão de euros de rendas, 15 a 20 vezes menos do que recebe anualmente do Terminal de Leixões. Além disso, serve de desculpa para outros desvarios. Há dias, depois de criticar a construção da linha ferroviária de alta velocidade entre Poceirão e Caia, ouvi um especialista garantir que essa obra era essencial para canalizar as cargas de Sines com destino a Espanha, não esclarecendo se nesse caso - e se é esse o interesse de Espanha ou dos senhores de Singapura - o investimento deve ser pago com os nossos impostos. Daqui a dez anos, chegar-se-á a uma conclusão.