Dia Nacional do Psicólogo: da retórica à responsabilidade social
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O Dia Nacional do Psicólogo, celebrado a 4 de setembro, tem vindo a afirmar-se como um marco simbólico de reconhecimento da profissão. Contudo, em Portugal, este dia corre frequentemente o risco de se reduzir a uma efeméride protocolar, mais próxima da retórica celebratória do que da ação transformadora. Várias são as áreas em que a presença da Psicologia é indispensável, nomeadamente na saúde, na educação, na justiça, no desporto, na área social e comunitária, entre outras. No entanto, a sua concretização efetiva em políticas públicas estruturantes continua dramaticamente ausente.
Ao longo das últimas décadas, os psicólogos e as psicólogas portugueses/as têm consolidado a sua presença em múltiplos contextos institucionais. A investigação científica evidencia a eficácia da intervenção psicológica na promoção do desenvolvimento infantil, na prevenção de comportamentos de risco em adolescentes, na gestão do stresse laboral e na mitigação de fenómenos psicossociais como o burnout. Estudos internacionais, designadamente da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da OCDE, demonstram ainda que o acesso a cuidados psicológicos precoces reduz significativamente o peso da doença mental, o absentismo laboral e os custos diretos e indiretos para os sistemas de saúde.
Apesar desta robustez empírica, persiste em Portugal uma clivagem estrutural: a ausência gritante de psicólogos/as no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e em respostas sociais e comunitárias. Num país em que os indicadores de saúde mental são dos mais preocupantes da Europa - com elevada prevalência de ansiedade, depressão e comportamentos aditivos - as listas de espera para consulta de Psicologia no SNS são incomportáveis e os cidadãos/as são empurrados/as para o setor privado, perpetuando desigualdades de acesso. Esta lacuna não se deve à inexistência de profissionais qualificados, mas sim à inoperância política crónica que, governo após governo, tem preferido a lógica do adiamento e da precariedade.
A Psicologia não pode continuar a ser tratada como um suplemento ocasional ou um luxo reservado a quem o pode pagar. A evidência científica demonstra que a sua integração transversal nas políticas de saúde, sociais e comunitárias é condição sine qua non para a equidade, para a prevenção da doença e para a promoção do bem-estar. O não investimento sistemático em psicólogos/as traduz-se em custos humanos e económicos incalculáveis: agravamento do sofrimento, aumento da exclusão social e sobrecarga de outros serviços já fragilizados.
O Dia Nacional do Psicólogo não deve, portanto, limitar-se a um exercício de consagração simbólica. Deve constituir-se como momento de responsabilização coletiva: das entidades governativas, que permanecem inoperantes perante um problema estrutural; das instituições, que frequentemente instrumentalizam a profissão sem lhe dar condições dignas; e da sociedade, que não pode continuar a aceitar a marginalização da saúde psicológica como se fosse inevitável.
Valorizar os psicólogos não é apenas valorizar uma classe profissional. É reconhecer a Psicologia como ciência aplicada indispensável à coesão social, à qualidade de vida e à justiça intergeracional. É transformar conhecimento científico em políticas públicas efetivas. É assumir, finalmente, que saúde psicológica é saúde.
A saúde psicológica não é luxo, é direito, e direitos não se celebram, concretizam-se.