Diabetes tipo 2: o que comer e como?
Há uns anos, num famoso vídeo da Porta dos Fundos sobre nutrição, a profissional de saúde, durante uma consulta, refere que esteve num congresso recentemente e que houve alterações sobre o que se pode ou não comer. Mesmo durante a consulta, começam a chegar mensagens no seu telemóvel sobre um novo estudo que muda tudo o que se deve ou não comer.
O vídeo é uma conversa humorística entre a doente e a profissional de saúde sobre uma dieta inventada. A profissional de saúde fala sobre a dieta que a doente deve seguir, mas as regras são confusas e contraditórias, como poder comer pão à vontade, evitar brócolos porque dariam Alzheimer, comer ovos, porém só a gema do ovo de codorniz, e que a linhaça era super proibida depois das duas da tarde. Há também piadas sobre o abacate que "mata o cancro bom", o colesterol "bom" dos ovos, e incertezas sobre o que se pode ou não comer. Em resumo, o vídeo é uma paródia que brinca com dietas "malucas" e as informações contraditórias sobre alimentos que aparecem nas redes sociais e outros meios, deixando as orientações absurdas e por vezes engraçadas, mas as pessoas muito confusas... Rimos, mas a piada descreve bem o caos alimentar em que muitos vivem, sobretudo quando o diagnóstico é diabetes tipo 2.
No meio deste ruído, a pergunta é simples: afinal, o que comer e como, quando se fala de diabetes tipo 2? A boa notícia é que a ciência é muito menos dramática do que as redes sociais. O que realmente faz diferença não é a moda da semana, mas o padrão alimentar mantido ao longo do tempo, dia após dia.
Esse padrão tem nome e apelido: dieta mediterrânica (ou atlântica, na sua versão mais portuguesa-galaica). Falamos de muitos vegetais, leguminosas, fruta, cereais integrais, azeite como gordura principal, peixe frequente, alguma carne branca e poucas carnes processadas e açúcares adicionados. Vários estudos mostram que este tipo de alimentação ajuda a controlar a glicemia, melhora o perfil lipídico e reduz o risco de complicações cardiovasculares em pessoas com diabetes tipo 2. Mas, claro, tudo com peso e medida e adaptado às necessidades energéticas diárias e a eventuais outras doenças ou complicações associadas à diabetes mellitus.
Muitas vezes, as pessoas com diabetes também têm hipertensão arterial e daí a necessidade de restringir o consumo de sal. Outras vezes, têm dislipidemia, ou seja, aumento do colesterol e dos triglicerídeos. Para reduzir o colesterol, em linhas gerais, recomenda-se uma dieta pobre em gorduras saturadas e trans, com preferência por gorduras saudáveis, como as monoinsaturadas (azeite) e polinsaturadas (peixes ricos em omega-3, linhaça, nozes). Também inclui o consumo de peixes magros e aves sem pele, cereais integrais, leguminosas, frutas e vegetais ricos em fibras, que ajudam a diminuir a absorção do colesterol no intestino. Devem ser evitados alimentos com gordura saturada, como carnes vermelhas gordas, fritos, laticínios inteiros e alimentos processados. A preparação dos alimentos, preferindo grelhados, cozidos ou assados sem gordura adicionada, é também muito importante.
Para reduzir os triglicerídeos, deve-se evitar os açúcares adicionados e alimentos doces, como gelados, bolos, doces, refrigerantes, sumos industrializados, hidratos de carbono refinados, como pão branco, arroz branco, massas brancas e farinhas refinadas; gorduras saturadas presentes em carnes gordas, enchidos (mortadela, salsichas, chouriços), laticínios inteiros (leite, queijos gordos, iogurte gordo) e produtos industrializados. Devem-se também evitar as gorduras trans, encontradas em alimentos processados, como bolachas recheadas, fritos e alimentos ultraprocessados (lasanhas, pizzas, fast food) e folhados.
Por vezes, as pessoas com diabetes também têm doença renal crónica. Nestes casos, a dieta deve ser ainda mais cuidadosa para proteger os rins, ou seja, evitar a progressão da doença renal. Geralmente, recomenda-se uma dieta com controle rigoroso da ingestão de proteínas para evitar sobrecarga renal - preferindo proteínas de boa qualidade em quantidade moderada - e o controle dos níveis de sódio, evitando sal em excesso para controlar também a pressão arterial.
E nas pessoas com obesidade ou excesso ponderal? Cerca de 90% das pessoas com diabetes mellitus tipo 2 têm obesidade ou sobrecarga ponderal. Para pessoas com diabetes e obesidade, recomenda-se um padrão alimentar que ajude a controlar a glicemia e, ao mesmo tempo, permita perder peso de forma sustentada. As principais orientações internacionais sugerem uma restrição calórica moderada (geralmente menos 500-750 kcal/dia) associada a um padrão alimentar saudável, como a dieta mediterrânica ou outros planos com poucos alimentos ultraprocessados.
Os objetivos principais são perder pelo menos 5-10% do peso corporal, o que melhora o controlo da glicose, pressão arterial e lípidos, podendo até reduzir a necessidade de medicação para a diabetes e ajudar a manter a glicemia estável, evitando picos (hiperglicemia) e quedas bruscas (hipoglicemia), com distribuição equilibrada de hidratos de carbono ao longo do dia.
E as bebidas alcoólicas?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou recentemente que não existe nível seguro para o consumo de álcool. Qualquer quantidade ingerida pode aumentar o risco de diversas doenças graves, incluindo cancro, doenças cardiovasculares e hepáticas. Estudos recentes mostram que mesmo o consumo moderado, antes considerado possivelmente benéfico para o coração, está associado a riscos crescentes destas patologias. Portanto, a OMS destaca que a recomendação atual é a redução máxima do consumo de álcool para minimizar esses riscos para a saúde. Para pessoas com diabetes, essa recomendação reforça cuidados adicionais: o álcool pode afetar negativamente o controle da glicemia e agravar complicações da doença. Assim, deve-se evitar o consumo de álcool ou ser extremamente cauteloso. O consumo de álcool apresenta riscos específicos para pessoas com diabetes, como a hipoglicemia (queda do açúcar no sangue), especialmente se o álcool for ingerido com medicamentos para diabetes que reduzem a glicose sanguínea. O álcool também contribui para o aumento dos triglicerídeos e aumento do peso.
Pense nisto: Um grama de álcool contém 7 calorias, sendo uma fonte calórica significativa, mas sem valor nutricional (calorias vazias). As proteínas e os hidratos de carbono fornecem cerca de 4 calorias por grama. A gordura é o macronutriente mais calórico que existe, fornecendo 9 calorias por grama.
O que "traduzir" para o prato da pessoa com diabetes? Há sempre que individualizar, mas de uma maneira geral, encher metade do prato com legumes e saladas, um quarto com peixe ou outra proteína magra e o restante com hidratos de carbono de boa qualidade, como arroz, batata, massa (que podem ser integrais) ou leguminosas, usar azeite em vez de gorduras saturadas, privilegiar fruta inteira em vez de sumos e reservar os doces para ocasiões verdadeiramente especiais, como o Natal, que se aproxima.
O segredo, porém, não está em fazer "a dieta mediterrânica" durante três semanas heroicas em janeiro, para depois regressar ao "fast food emocional" até ao Natal seguinte. O que protege é a consistência: comer bem quase sempre, em vez de comer "perfeito" de vez em quando. É a diferença entre viver de notificações nutricionais e viver de bom senso.
Em vez da profissional de saúde presa ao telemóvel à espera do próximo estudo, vale a pena imaginar outra cena: um doente com diabetes tipo 2 que já sabe que o seu "plano base" é mediterrânico/atlântico, equilibrado e moderado, e que as notícias novas servem para afinar detalhes, não para virar tudo do avesso. Comer assim não é uma missão impossível, nem uma penitência eterna. É, simplesmente, aprender a fazer as pazes com o prato - com ciência, humor e equilíbrio, para todo o sempre, e não apenas até à próxima moda alimentar.
Artigo publicado no âmbito do bicentenário da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto em parceria com o JN

