Os relatos e as imagens que nos chegaram da realidade de várias estruturas residenciais para idosos (mais conhecidas por lares) são verdadeiramente chocantes. De lares têm, aliás, muito pouco. Entre falta de condições de higiene, más condições dos espaços, insuficiente ou desajustada alimentação, ou até casos de maus-tratos, em causa está uma absoluta ausência de dignidade e humanidade que se exige a quem trata destas pessoas, muitas em situação de especial vulnerabilidade.
Em reação à indignação provocada pelas várias reportagens a denunciar estas situações, foram feitas ações de fiscalização pela Segurança Social, algumas até que resultaram no encerramento destas instituições. Mas persistirá a ideia que, sem a denúncia pública, a desumanidade em que viviam estas pessoas se perpetuaria no tempo. E impõe-se a pergunta: quantos mais casos destes haverá?
Num país que tem a população que mais está a envelhecer na União Europeia, é claro que não se preparou para garantir condições de dignidade e respostas sociais para uma população que necessitará cada vez mais de cuidados. Os lares de idosos são insuficientes para a população que deles precisa, deixam muitas pessoas de fora, sem recursos financeiros para aceder a uma vaga, e sem condições para continuarem a residir sozinhos.
Bem sabemos que há verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para o reforço da oferta destas infraestruturas. Mas atendendo à incapacidade crónica de executar investimentos prometidos, por parte dos poderes públicos, são sustentados os receios de que a situação possa não se resolver por aí. Além de que, as infraestruturas importam muito, mas os recursos humanos e a sustentabilidade de muitos destes projetos extravasam aquele que é o âmbito do PRR. E, importa recordar que, até que estes edifícios existam, há milhares de pessoas para as quais devem ser encontradas respostas.
E nem nestas outras respostas que podem ser dadas o Estado tem cumprido o seu papel. Consagrado na lei há mais de 30 anos, o programa da Segurança Social das famílias de acolhimento para idosos e pessoas com deficiência não tem qualquer revisão financeira desde 2009. Ou seja, continua-se a atribuir a quem acolhe um idoso em sua casa 225 euros por mês e 222,27 euros para as demais despesas com a luz, alimentação, etc. Se estes valores são manifestamente insuficientes para fazer face às despesas que implicam o acolhimento de uma pessoa de idade, num contexto de subida brutal dos custos de vida, mais desajustados estão.
A Segurança Social que, instada pelas notícias recentes, de forma célere avançou com ações de fiscalização dos lares denunciados, tem agora a oportunidade de agir. O reforço financeiro de programas como o de acolhimento a pessoas idosas é apenas um desses exemplos. E, a fazê-lo, que não seja pela mera pressão mediática. Mas pela dignidade que estas pessoas nos merecem.
*Jurista
