Hoje, os jovens árabes; amanhã, os agricultores europeus? Eis a questão. Pode dizer-se, provisoriamente, que as massas árabes estão nas ruas, porque não há eleições. E que os agricultores europeus não passam das pedradas à revolução, porque podem votar.
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Mas e se a mudança de política é urgente, e a possibilidade de uma mudança eleitoral só ocorre daqui a uns anos?
E se, nas próximas eleições, uma maioria silenciosa que não é feita de agricultores, produzir resultados de continuidade destas políticas?
E se o grupo agrícola conseguisse já, na rua, a queda de um governo, coisa não querida pela tal maioria silenciosa que só se expressa daqui a uns anos?
Na verdade, se a "democracia" se dá na rua, e não na urna, porquê esperar por esta?
Por outras palavras: como pode exprimir - se a "democracia", nos intervalos entre a sua expressão solene, a eleição? Como é que a "arma do povo", o voto, se transforma de espingarda de um tiro (eleitoral) em fuzil de repetição (sempre que preciso)?
Os grandes acontecimentos, sobretudo os mais dramáticos para as comunidades, trazem sempre à superfície velhos problemas da filosofia, e da história das ideias políticas.
Quando reflectimos sobre as revoltas no mundo islâmico vemos às vezes a expressão: "esperemos que a liberdade não traga o caos". Faz-me logo lembrar a apologia de Sócrates, por Platão, formulada muito antes de Cristo. E um raciocínio essencial: o de que a ausência de leis - o caos - pode ser pior do que a presença de leis injustas.
Da parte de alguém que, como Sócrates, desafiou em vida todas as leis de Atenas, parece uma reflexão estranha.
O que acontece com uma lei "injusta", isto é, reconhecida como inválida por uma pessoa, ou por um grupo (digamos, a política agrícola comum europeia, ou os decretos de emergência, no ordenamento egípcio)? Enquanto durar, ofende e causa sofrimento aos que a consideram injusta.
E o que acontece no caos? Sem normas gerais e abstractas, sem poder acima dos indivíduos, sem autoridade que regule as massas, triunfa a rua. E quem triunfa na rua? Os mais fortes. Os que gritam mais, os que estão mais organizados, os que são fisicamente mais capazes, até os que manejam melhor as suas armas.
Ora, o triunfo dos mais fortes é tão injusto como a lei injusta.
Pode até ser mais injusto, se a injustiça da lei ofender só um pequeno grupo, e o caos agredir a maioria.