Nada de "O Médico e o Monstro". Pedro Passos Coelho é só uma pessoa, e fala só com uma voz. Esse, precisamente, o problema.
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Uma análise superficial, e antipática, diria que o fresco líder do PSD "faz todos os favores" a Sócrates, na tentativa de chegar mais cedo ao poder. Esta tese não faz sentido. Se Sócrates falhar, todos quererão o contrário de Sócrates. Se ganhar, todos quererão mais Sócrates.
Uma outra corrente afirma que Passos Coelho tenta ganhar tempo.
Se encabeçasse uma oposição radical, tonitruante, poderia provocar a "lei dos efeitos indesejados", estudada, há mais de 70 anos, por Robert Merton. Desde logo, levava a eleições antecipadas. Estas poderiam vir demasiado cedo, com a Oposição carente de projecto sólido e diverso. Se Sócrates usasse eficazmente o tema "ou eu, ou o dilúvio", talvez convencesse as massas, que não têm vocação suicida.
Diz-se ainda que a "alternativa" do PSD não existe, ou ainda não chegou.
Primeiro, porque, na essência, não há alternativa, à excepção de vírgulas. Passos afirmou, repetidamente, a "obrigatoriedade" das medidas socráticas, no sentido em que elas não dependeriam de opinião. Por outro lado, as divergências possíveis entre PS e PSD não se reportam aos "princípios", mas à sua "execução" e "concretização". Ora estas só se medem no fim do caminho. Isto é, no fim do período de austeridade. Se, nessa altura, estivermos pior, o PSD estará melhor. Salvo seja.
Pode ainda dizer-se (fazendo isso parte do discurso oficial do partido) que a adesão circunstancial à política de austeridade se faz em torno do "interesse nacional" e da necessidade de evitar a bancarrota. Isto é, de evitar a Grécia. Aliás, na Grécia, ouve-se pouco a Oposição, se exceptuarmos o poder da rua.
Ora, mesmo em Atenas, essa rua grita mais do que propõe. Percebe-se o desespero, mas ainda não se descobriu uma outra via. Sem esta ficar definida, e sem apetite para revoluções, por dever patriótico, e por dever de razão, o PSD está obrigado a contrariar o caos.
Claro que Passos Coelho tem outros problemas. Precisa de manter uma "postura de estado", e ser a responsabilidade em pessoa. Precisa de Relvas para assegurar que o partido não se desune, e mantém uma máquina eleitoral oleada. Precisa de Macedo nas lides mais bizantinas do Parlamento, onde tantas vezes a substância cede à forma.
Mas, comparados com o fundo da questão, estes são meros detalhes.