Corpo do artigo
Legado de excelência do sueco inventor da dinamite, os prémios Nobel têm sofrido nos últimos anos tratos de polé. Alfred Nobel tinha no seu espírito, com certeza, a distinção e o reconhecimento anual de pessoas ou organizações de contributo marcante para a Humanidade. Da Literatura à Física, da Matemática à Medicina e à Paz, o povo tem demasiadas vezes dado conta nos últimos anos de perniciosos golpes de rins e méritos enviesados....
A atribuição, por um comité designado pelo parlamento norueguês, do Nobel da Paz deste ano à União Europeia é, infelizmente, paradigmática de um critério de escolha "jongleur", a justificar um coro de críticas, por mais encomiásticas venham a ser as palavras audíveis na cerimónia de entrega do prémio a decorrer hoje em Oslo.
Sim, é verdade, o projeto iniciado em 1951 por Robert Schuman e Jean Monnet através da Comunidade do Carvão e do Aço, posteriormente evoluindo até à atual União Europeia, pautou-se por mais de um século de paz e prosperidade pós-II Guerra Mundial. Houve, pois, várias décadas para distinguir as vantagens do aprofundamento da coesão continental, mas outras figuras foram laureadas, umas por mais mérito, outras, aceite-se, por jogos de sombras inexplicáveis.
Contraditória no Prémio Nobel da Paz 2012 é a tentativa de reposição de justiça num tempo de crise e de sinais de retrocesso no projeto europeu, a começar pelas manifestações evidentes de perda de unidade.
Escolher a União Europeia de entre um naipe de candidaturas constituído por 124 organizações e indivíduos - como Bill Clinton ou Helmut Kohl, o "pai" da reunificação alemã - é sintoma de banalização da mais apreciada distinção mundial. Se Alfred Nobel fosse vivo talvez já estivesse arrependido da sua invenção, tal a dinamitação do prestígio do Prémio - e os 931 mil euros a receber são irrelevantes para o caso.
Espaço onde prospera cada vez mais e mais desemprego e concomitantes tensões sociais associadas à falta de solidariedade entre os seus estados-membros, só uma razão plausível justifica a atribuição do Nobel da Paz à União Europeia: "é um prémio político", como bem o definiu Jacques Delors, uma das últimas referências credíveis de uma organização hoje entregue a pequenos figurantes, verdadeiras marionetas incapazes de decidir o que quer que seja sem a anuência da Alemanha e países correligionários do Norte.
Resta, assim, uma ténue esperança: a de que pela via da atribuição do Nobel fora de tempo se abra um espaço de reflexão através do qual se readquira uma dimensão política europeia, percebendo-se a utilidade de retroceder na atual tendência para substituir as pessoas por números. É mesmo a única chance aberta de potenciar um Nobel da Paz num tempo prenunciador de agravamento de lutas sociais - mais tarde do que cedo suscetíveis de reeditar os finais dos anos 40 do século passado.