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Quero há algum tempo escrever uma crónica sobre a curiosidade, mas faltava-me encontrar quem a personificasse. A curiosidade chama-se Dinis, já digo porquê.
O provérbio adverte para que a curiosidade matou o gato – mas se é para morrer assim, de curiosidade, eu quero juntar-me a ele. Assim maravilhados em conhecer o que nos transcende, levados num voo de paixão pelo que não nos afecta, pelo que não nos diz respeito, pelo que há de grande longe do umbigo. Os curiosos engrandecem-se da maneira mais discreta e mais bela: levam no espírito um gabinete de curiosidades só deles, os seus interesses, obsessões, pancas.
Não acredito na vida sem interesses, obsessões e pancas; só o espírito enfezado acha que fora do espelho nada existe, quando na verdade bastaria abrir os olhos para que a vida nos estenda um sem-fim de encantamentos. Não há espaço na vida para sensaborias, acho eu nos meus melhores dias, embora tantas vezes a tristeza insista em encolher o mundo, dizendo-nos que só ela existe.
E há espaço, na vida e no país, para não sei quantas espécies de cobras, incluindo uma certa dose de víboras. Estas voltam à abertura da crónica. Um rapaz em Portugal personifica a curiosidade. Chama-se Dinis e procura por esse país fora lagartos, sapos, cobras, o diabo a quatro.
Até podia procurar selos, que teria, ainda assim, os quase duzentos mil seguidores actuais. É que Dinis, o “minibiólogo”, mais do que um óptimo comunicador, é um excelente transmissor. Ele transmite-nos, a nós os rotinados, os olhadores para a ponta do sapato, a nós os ensimesmados, os dons da curiosidade.
Tal é a curiosidade de Dinis sobre os anfíbios, os répteis e outros bichos – encontra-os em excursões demoradas ou mesmo próximos da escola da irmã, por norma debaixo de uma pedra –, que o seu entusiasmo se torna nosso. Os vídeos nas suas redes socais não são coisas furtuitas: são a partilha necessária e fatal de quem se entusiasma. E nós entusiasmamo-nos com ele, relembrando qualquer memória inocente de quando púnhamos lagartixas em frascos para as observarmos. Quase como se pudéssemos dizer: a cobra que aquele rapaz encontrou não foi ele, fui eu.
A curiosidade de Dinis é talvez o que há de mais belo e puro nas redes sociais. A poucos dias das eleições, em que abrir qualquer caixa de comentário equivale a sermos agredidos com prepotência, o único veneno que vale a pena arriscar é o das víboras que o Dinis descobre por nós.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia