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Passados 50 anos sobre a Revolução dos Cravos, o direito à habitação continua a ser apenas uma norma programática plasmada na CRP e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Será, porventura, uma utopia o convencimento de que a médio prazo se possa alcançar em pleno a concretização desse direito. De qualquer maneira, o espaço temporal decorrido desde a entrada em vigor daqueles diplomas de defesa da Humanidade, que impõem o acesso a condições que proporcionem uma vida digna e justa para todos, é já demasiado longo. É urgente e incontornável que o direito a uma habitação condigna passe de norma programática a impositiva. Todo o Estado social de direito democrático tem o dever e a obrigação primária e prioritária de assegurar uma casa para cada família, para cada pessoa. É não só uma exigência directa e expressa na Lei Fundamental, como se impõe pela conexão com outros direitos humanos que já ninguém questiona. O direito de acesso à saúde, à educação, à justiça e à habitação constitui um pilar estruturante de uma boa e sã democracia. Quem pode ter saúde numa habitação degradada, sem condições mínimas de habitabilidade ou vivendo nas ruas?
Quem pode ter aproveitamento escolar se não tem condições de estudo na reserva do lar?
São múltiplos os apelos desesperados de ONG, instituições e cidadãos responsáveis para a obtenção de uma solução urgente desta questão. No entanto, os anúncios e notícias que nos chegam das redes sociais e dos média publicitam a grandeza da construção de empreendimentos de luxo, cujos preços são inacessíveis à maioria esmagadora do cidadão, apartamentos e moradias com rendas proibitivas, até para a classe média, quanto mais relativamente às famílias sem, ou com baixíssimos rendimentos! A construção civil normal para a maioria da população é praticamente inexistente. É, para mim, evidente que na progressão deste caminho inflacionário, não há espaço para uma solução habitacional de quem aufere rendimento mensal baixo ou sequer médio. A tese de que os mercados se auto-regulam falha estrondosamente neste campo, porquanto há índices inesperados que desvirtuam aquele pensamento, para quem nele acredita. A procura acelerada de habitação de luxo por estrangeiros e por alguns portugueses com um poder de compra muito superior ao da maioria da população inflaciona despudoradamente os preços, quer da compra quer do arrendamento de habitação condigna e adequada ao quadro familiar. A solução, para mim, passa pela intervenção estratégica do Estado e das autarquias, disciplinadora dos preços a praticar e dos espaços para construção de todos os tipos de habitação, intervenção esta conjugada com os proprietários e empreiteiros e agentes imobiliários. De contrário, o direito à habitação digna e condigna continuará a ser uma miragem.
A autora escreve segundo a antiga ortografia