O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) anulou a decisão do Tribunal de Anadia que condenara o assassino de um advogado a pagar cinquenta mil euros de indemnização aos pais da vítima, mas manteve a pena de vinte anos de prisão que lhe fora aplicada. Recorde-se que o homicida é pai de uma juíza e o advogado assassinado era o pai da própria neta do assassino. A tragédia ocorreu em fevereiro de 2011 num parque público da localidade de Mamarrosa, em Oliveira do Bairro, durante uma visita que o advogado fazia à filha cuja mãe é a juíza filha do homicida. Aparentemente, a decisão da Relação de Coimbra é suscetível de causar escândalo. «Não conseguimos esconder a nossa preocupação quanto à mensagem que passa para a sociedade de que a vida humana não tem valor», terá desabafado o irmão da vítima num comentário, a quente, ao acórdão do TRC. Mas sem razão.
Corpo do artigo
Diz o artigo 496º, n.o 2 do Código Civil (CC) que por morte da vítima, «o direito a indemnização por danos não patrimoniais cabe, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem». Assim, no caso em apreço, havendo uma filha da vítima, ficam excluídos do direito de indemnização os pais da própria vítima. Portanto, o TRC não desvalorizou a vida humana; apenas aplicou a lei.
É claro que os juízes desembargadores poderiam questionar a conformidade dessa norma com a Constituição da República portuguesa, já que impede os pais de um cidadão assassinado, assistentes no respetivo processo-crime, de serem ressarcidos pelos danos morais que sofreram. O artigo 496, n.o 2 do CC violaria, assim, o artigo 20º da CRP, na medida em que não assegura o direito a um processo justo e equitativo. Os pais da vítima são tratados apenas como herdeiros de um direito de indemnização nascido na esfera jurídica do filho antes de este falecer. A vítima sofreu danos indemnizáveis, mas como morreu sem pedir a respetiva indemnização, o respetivo direito transmite-se por herança aos seus herdeiros.
Se fosse apenas isso, os pais nada herdariam do filho quando este tivesse cônjuge ou filhos. Mas, as coisas não são bem assim. Para além de um direito a herdar, existe também um direito próprio dos pais a serem indemnizados pelos danos diretamente sofridos com a morte de um filho. Esse direito não lhes foi transmitido por morte do filho, antes nasceu na sua esfera jurídica, é um direito originário. A morte de uma pessoa não causa apenas danos morais (sofrimento, angústias, desespero, entre outros) ao seu cônjuge e aos seus filhos; causa-os também aos seus pais e, por isso, a lei deveria permitir que estes pudessem reclamar judicialmente a respetiva indemnização.
A situação é idêntica à que existia no Código de Processo Penal e que impedia a constituição como assistentes dos pais de um ofendido que tivesse morrido sem ter renunciado ao direito de queixa, desde que tivesse cônjuge ou filhos. A lei foi alterada mas de forma incompleta: a lei processual penal permite agora que os pais do falecido possam livremente constituir-se assistentes em processo penal pela morte de um filho, mas o Código Civil continua a não permitir que sejam indemnizados pelos danos morais sofridos com essa morte.
Acresce que, no caso do advogado assassinado, a única pessoa a quem a lei reconhece o direito a ser indemnizada é a filha menor da vítima, a qual é legalmente representada pela sua mãe, ou seja, pela filha do assassino e que tem sido a principal aliada processual deste. Que se saiba, a menor não pediu qualquer indemnização ao avô pela morte do seu pai. Talvez a criança, apesar de estar ao colo do avô quando este lhe matou o pai, ainda não tenha interiorizado a verdadeira dimensão da tragédia e, como tal, ainda não tenha sofrido os respetivos danos morais. Mas isso irá acontecer, mais cedo ou mais tarde.
De qualquer forma, independentemente do direito de os cônjuges e os filhos serem indemnizados, a lei deveria ser alterada no sentido de permitir que os pais da vítima também o possam ser nos mesmos termos que aqueles.