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O secretário-geral da ONU, António Guterres, humanista convicto, proferiu, há dias, um importante e exemplar discurso sobre a guerra Hamas-Israel, inspirado nos valores e princípios plasmados na Carta das Nações Unidas e no Direito Internacional Humanitário (DIH). O seu objectivo era motivar os beligerantes para um acordo de cessar-fogo humanitário ou, pelo menos, permitir um corredor humanitário permanente para a ajuda essencial à vida de mais de um milhão de deslocados, obrigatoriamente, do Norte para o Sul de Gaza. Cerca de metade daqueles são crianças e jovens. Sobrevivem em condições trágicas, sem alimentação, sem água, sem luz, sem medicamentos e com os hospitais em colapso. É esta situação que Guterres quer interromper, como todo o Mundo, penso eu. Alicerça o seu grito de socorro nas leis internacionais. A Carta das Nações Unidas nasceu da vontade dos povos das nações unidas de preservar as gerações futuras do flagelo da guerra e dos sofrimentos indizíveis que esta infligiu à Humanidade. Aquele documento assume o primado dos direitos fundamentais dos seres humanos, a dignidade e o valor da pessoa humana, a igualdade dos direitos entre homens e mulheres, nações grandes e pequenas, promove as relações de amizade entre estas no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos. O DIH tem como raiz filosófica a primazia do ser humano sobre o Estado, como já defendia Kant. Na esteira de Barbosa Rodrigues, a dignidade da pessoa humana exige um absoluto respeito, e postula, cumulativamente, a defesa desse respeito e a protecção dessa dignidade. O DIH, para além de estabelecer regras mínimas sobre a ética da guerra, proíbe e pune como crimes os actos bélicos contra civis, bens culturais, de culto, instituições, hospitais e bens indispensáveis à sobrevivência das populações. Já Rousseau e Vattel defendiam que a guerra se deve limitar aos militares e poupar a população civil. Estas leis tentam humanizar a guerra e, nesta medida, são um Direito das Gentes. Em Gaza vive-se uma completa desprotecção das crianças e dos jovens que pululam, doentes, com fome, sede e medo, entre a acumulação de ruínas. Indiciam-se neste quadro crimes contra a Humanidade - deslocação forçada de civis, actos desumanos contra estes, intenção de manter ou destituir o domínio de um grupo racial de seres humanos sobre outro; genocídio - destruição no todo ou em parte de um grupo nacional, ético, racial ou religioso... Estas imagens de flagelo são provocadas por um Estado de direito, assinante da Carta das Nações Unidas, que tem o direito de se defender mas não de ofender civis inocentes. Do outro lado, como beligerante, está uma organização terrorista que despreza a dignidade e a vida humana. O secretário-geral da ONU discursou na defesa dos inocentes, inspirado no DIH. Salvar vidas é o seu lema e o seu esforço e o da comunidade internacional necessita de resultados imediatos.
*A autora escreve segundo a antiga ortografia