<p>A notícia tende a passar despercebida, porque, pelo menos na aparência, não nos diz directamente respeito. A Compound Security System, fabricante galês de um aparelho que emite ultrasons de alta frequência imperceptíveis por quem tem mais de 25 anos, acaba de anunciar o lançamento de um novo modelo, apresentado como eficaz para todas as idades. Eficaz é força de expressão, para quem apanha os 17 kilohertz que debita. É que o "Mosquito", assim se chama o emissor introduzido no Reino Unido há três anos, é suficientemente estridente para pôr a milhas quem tem o azar de se aproximar. Ou seja: funciona como uma arma. Daí que seja usado, sobretudo perto de estabelecimentos comerciais, no combate à delinquência juvenil. Como é "cego" (ou será surdo?) faz vítimas indiscriminadamente. Não atinge apenas jovens, assim generalizadamente etiquetados de potenciais criminosos, mas também crianças e até bebés, o que tem suscitado protestos de associações de defesa de direitos humanos.</p>
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O que mais perturba na história é constatar que o direito à segurança tem vindo a tornar-se de tal modo absoluto que se sobrepõe aos outros. Trata-se de uma herança do 11 de Setembro (em rigor dos vários 11 de Setembro que se espalharam pelo mundo), mas reconhecê-lo não deveria roubar-nos a ponderação sobre as opções que neste domínio se fazem. Um exemplo: há meia-dúzia de anos, a simples perspectiva de instalar videovigilância em espaços públicos levantava um coro de protestos. Hoje, é aceite sem pestanejar como a mais milagrosa das soluções contra a criminalidade.
Provavelmente, não sabemos da missa a metade. Provavelmente, até nos vigiam à socapa. Nunca mais ouvimos falar - por que será? - do Echelon, um sistema de intercepção e tratamento de informações montado pelos Estados Unidos, juntamente com a Austrália, o Reino Unido, a Nova Zelândia e o Canadá, que no início da década o Parlamento Europeu chegou a investigar. Era coisa em grande, garantia então Carlos Coelho, o eurodeputado português que presidiu à comissão de investigação do sistema - até os mails pessoais poderia vasculhar.
Justifica-se a mudança do tempo verbal: pode vasculhar. Carlos Coelho dava na altura (2001) por adquirido que o Echelon existia mesmo, "com esse ou outro nome". Secreto, ultra-secreto, mas em funcionamento. A administração Bush não se disponibilizou para sobre ele prestar a mínima informação. O Parlamento Europeu nunca publicou o relatório da comissão. Os estados-membros da UE calaram-se bem caladinhos. Talvez no próximo dia 10, quando passarem 60 anos sobre a adopção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, alguém queira levantar este véu. Esperemos sentados.