Corpo do artigo
Os direitos humanos são recorrentemente referidos nos discursos políticos e sociais, entrevistas ou debates. Reúnem-se os representantes dos países mais ricos do Planeta em Davos e os direitos humanos são convocados à ordem dos trabalhos, mas tudo continua igual. Aliás, penso que nunca como hoje os direitos fundamentais das pessoas foram tão violados, postergados, esquecidos! Nestes dias de gélido inverno, não há pensamento humanitário que não reflicta sobre as carências, a ausência de afectos, a miséria dos sem-abrigo que percorrem as cidades, vilas e lugares deste mundo, tendo por cama o chão húmido de uma qualquer escada, por tecto o céu aberto e por luz apenas o luar, se o houver. Lá longe, morrem crianças vítimas das guerras, sem chegarem a perceber por que e para quê nasceram. Ainda mais longe, ou talvez mais perto dos nossos olhos, milhares de crianças migrantes e refugiadas, muitas delas órfãs, perscrutam com um olhar triste a ruína que as rodeia, sem perceberem que há um outro mundo de opulência, desperdício e futilidade. Em outros lugares, crianças, mulheres, homens e idosos de pés descalços e desespero na alma morrem à fome e à sede sem sequer imaginarem que há outros recantos onde se desperdiça água e desbarata comida. É esta a perversa realidade vivida na enganosa globalização, que serve os negócios, as viagens, as riquezas, as exibições de luxo e poder, mas não foi capaz de repartir por quem nada tem o que a outros sobra demais. A erradicação da pobreza não é uma utopia, é alcançável se o ser humano e os estados de direito democrático quiserem. Se estabelecerem como objectivo prioritário da vida a partilha dos bens essenciais de forma mais equitativa. Bastará serem justos e solidários. O direito a uma vida digna é inerente ao ser humano. Todos são credores de uma existência com condições mínimas de sobrevivência, lar, família, saúde, educação, cultura, comida e trabalho. A nossa Constituição garante estas exigências, mas têm-se por princípios programáticos! O mesmo respeito por estes direitos básicos está impresso na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, na Convenção sobre os Direitos da Criança e noutros tantos diplomas com força internacional. Por todo o mundo, ONG entregam-se plenamente ao apoio a quem sofre, doentes, famintos, deslocados, refugiados, imigrantes. Só lhes falta o condão de multiplicarem o pão. Mas não basta. O direito internacional não pode continuar a ser violado, o direito interno de cada país não pode continuar a ser espezinhado no que tange aos direitos humanos. Impõe-se a intervenção dos estados humanitários para, como consagra a CRP, promover o bem-estar, a qualidade de vida e a igualdade real entre todos, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais. Só assim se ultrapassarão as trevas de uma desigualdade atroz entre ricos e pobres. Só assim se realizarão os direitos do ser humano.
*Ex-diretora do DCIAP
o autor escreve segundo a antiga ortografia