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O programa de rádio “Fórum TSF” perguntou, recentemente, aos seus ouvintes: “Temos um problema com o uso excessivo de telemóveis pelas crianças?”. O debate, em que se falou de proibir os telemóveis nos recreios das escolas do 1.oºe do 2.o ciclo para garantir que os menores brincam uns com os outros, passou naturalmente ao lado de três notícias dos jornais do dia que me fizeram matutar precisamente sobre os telemóveis. Uma delas relatava a morte de dois homens num choque entre veículos que circulavam em sentidos apostos; outra falava de um bebé, ao cuidado de uma pessoa adulta, que se afogara numa piscina insuflável com dois palmos de água; e a terceira contava que um avião recebera luz verde da torre de controlo do Aeroporto do Porto para aterrar na pista onde outro estava prestes a descolar.
Desconheço se foram apuradas as causas dos dois acidentes mortais e da quase-tragédia no aeroporto (o piloto do avião que estava no ar percebeu a tempo que havia outro na pista e abortou a aterragem), mas, nos dias que correm, quem tiver de investigar ocorrências deste género não pode deixar de equacionar a hipótese de alguém se ter distraído com o telemóvel.
Na internet encontramos exemplos desses pelo Mundo fora, mas se, nas nossas cidades, levantarmos os olhos do ecrã e olharmos em redor, concluiremos que os telemóveis, com funcionalidades incríveis e até há pouco impensáveis, têm um magnetismo como nenhum outro objeto deste tempo e, sempre à mão, podem ser fatais em circunstâncias muito diversas.
Mas os acidentes são só um dos riscos. Quando o pai e o filho no restaurante passam as refeições sem trocar uma palavra, quando uma psiquiatra se queixa das consultas cheias de pacientes que não dormem porque passam as noites a correr vídeos curtos dos “tiktokes”, quando se vai ver uma banda e a atenção é disputada por centenas ou milhares de ecrãs luminosos que os seus donos erguem porque preferem fazer vídeos medíocres do concerto a apreciá-lo, quando nos transportes ou no hospital ou no café as pessoas se alheiam de tudo e de todos para pôr “likes” nas redes, quando enfim desligamos o ecrã e percebemos que já não nos resta tempo para abrir o livro ou realizar a tarefa em falta, talvez se imponha ao “Fórum TSF”, a todos os fóruns do Mundo, outro debate: “Temos um problema com o uso excessivo de telemóveis pelos adultos?”.
P.S. Amanhã, regressarei ao meu refúgio de férias das duas últimas décadas. Um sítio onde a qualidade da rede da minha operadora tem variado de ano para ano. No princípio, chateava-me quando era má; agora, confesso, desejo-a má.
*Jornalista