Pouco antes do início da Guerra da Secessão, Django, um escravo foragido das plantações de algodão do Sul dos Estados Unidos, revive a saga de Siegfried, o nome do herói da mitologia germânica que, para libertar a sua amada Broomhilda, com o mesmo nome da lendária heroína e escrava como ele, irá recorrer às tramas mais audaciosas e aos mais fantásticos disfarces. Foi com este argumento que "Django Libertado", do realizador americano Quentin Tarantino - de origem italiana como o nome indicia - ganhou um Oscar na cerimónia anual da Academia de Hollywood que se realizou nesta semana.
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Para além das abundantes referências mitológicas, históricas e literárias, é impossível não recordar a "Vida de Bryan", do realizador Terry Jones. Há uma cena no filme de Quentin Tarantino que ostensivamente evoca e presta homenagem aos saudosos "Monty Python": é quando o bando de esclavagistas encapuzados lançados em perseguição de Django, vestidos à moda da Ku Klux Klan, esquecem momentaneamente a sua missão sanguinária, embaraçados nos uniformes da tenebrosa confraria esclavagista, para altercar numa birra pueril contra o desconforto dos trajes improvisados que lhes tolhem os movimentos e obscurecem a visão. A interrupção burlesca, quase no culminar da sequência épica, marca o ritmo da farsa, enredando as distinções entre géneros dramáticos e baralhando as fronteiras que separam a ficção da realidade.
Não é portanto motivo de surpresa a aparição de um comediante na vida política italiana nem o apreço que lhe manifestou, no passado fim de semana, uma parte substancial dos cidadãos eleitores. Também a política é um exercício de "representação", assim como a própria democracia, excetuados os cantões suíços e outras raridades exóticas ou imaginárias. A imaginação, aliás, apoderou-se dos programas eleitorais que se limitam a tentar iludir com fantasias as legítimas expectativas de um eleitorado cada vez mais cético. "Movimento 5 Estrelas" é obviamente uma designação apelativa para qualquer partido. Não o desejam ser todos? A redução do número de horas de trabalho é uma ideia menos séria do que a resignação perante a obscenidade do número de desempregados que continua a crescer? Virar costas a uma Europa dominada pelo egoísmo é mais grave do que a cumplicidade com as políticas que estão a cavar a sua inelutável destruição?
Bem se compreende a indignação do presidente italiano, Giorgio Napolitano, de visita à Alemanha, perante a qualificação insultuosa dirigida pelo líder social-democrata, Peer Steinbrück, a duas figuras públicas italianas que apelidou de "palhaços". A Itália, de facto, não é a ilha da "Madeira". Embora tenhamos que admitir, quanto à pertinência do termo utilizado, que não é fácil estabelecer uma hierarquia clara entre Silvio Berlusconi, Beppe Grillo e, por exemplo, o "nosso" Alberto João Jardim.
Pier Luigi Bersani, candidato a primeiro-ministro pelo Partido Democrático, não conseguiu aproveitar a decadência aparentemente irreversível de Berlusconi e da Direita que ele personifica e, por isso, "é o grande derrotado político destas eleições", como afirma Sofia Lorena, em artigo de opinião, no "Público" de terça-feira, intitulado: "A velha Itália ao espelho". Bersani é o rosto dessa "velha Itália", de uma Esquerda "que consegue estar duas vezes no poder depois da erupção de Berlusconi sem legislar contra os conflitos de interesses na política". O Partido Democrático revelou-se incapaz de propor uma alternativa consistente às políticas de austeridade do Governo de Mario Monti - o outro grande derrotado! - e falhou redondamente na mobilização da população juvenil, principal vítima dos níveis brutais que o desemprego atinge atualmente em Itália, como refere Alberto Toscano, no artigo: "Italy's left loses the popularity contest again - However grotesquely, Berlusconi and Grillo succeeded in this election where the left always fails - to mobilise the masses", publicado em, "The Guardian", a 27 de fevereiro. Há que saber interpretar estes sinais, enquanto é tempo!